domingo, 22 de junho de 2008

Resenha do livro “O diário de Anne Frank”

Anne Frank nasceu na Alemanha em 12 de junho de 1929. Aos quatro anos de idade sua família viu-se obrigada a deixar a Alemanha por conta da ascensão de Hitler ao poder. Vivia na Holanda quando a perseguição aos judeus também se deu nesse país. Otto Frank, pai de Anne, e sua família unem-se a mais quatro pessoas e decidem esconder-se dos invasores alemães. O esconderijo, no livro, é chamado por Anne Frank de Anexo Secreto, localizado em Amsterdã.
Em 12 de junho de 1942 Anne Frank ganha entre outros presentes um diário. Aí então que ela começa a escrever todos os fatos que acontecem em sua vida a partir desse dia:
“Espero poder contar tudo a você, como nunca pude contar a ninguém, e espero que você seja uma grande fonte de conforto e ajuda.”

O diário foi para Anne Frank um amigo, um companheiro, um pai e uma mãe, no qual ela pôde contar todas as suas reflexões, aflições, tensões, medos e pensamentos mais íntimos. Refiro-me ao diário como um pai e uma mãe devido à sua difícil relação com sua família. Ela mal se entendia com a mãe e sua irmã mais velha Margot que tinha personalidade completamente diferente da sua. Sua mãe sempre a comparava a Margot, enaltecendo as qualidades desta. A única pessoa em que ela tinha uma boa relação era seu pai, pessoa à qual ela admirava, porém não podia conversar sobre todos os assuntos. Algum tempo mais à frente Anne reconhece que foi mimada demais pelos seus pais, foi tratada com gentileza, a defenderam dos van Daan e fizeram o máximo que poderiam ter feito. Porém nunca havia sido compreendida por eles.

“Dá para ver facilmente a diferença entre o modo como tratam Margot e o modo como me tratam. Por exemplo, Margot quebrou o aspirador de pó, e por causa disso ficamos sem luz o resto do dia. Mamãe disse:
- Bom, Margot, dá para ver que você não está acostumada a trabalhar; do contrário, não puxaria a tomada pelo fio.
Margot respondeu alguma coisa e ficou por isso mesmo.
Mas hoje à tarde, quando eu quis reescrever umas coisinhas na lista de compras de mamãe porque a letra dele é difícil de entender, ela não deixou. Brigou comigo de novo, e toda a família terminou se envolvendo. (...) Papai é o único que sempre me compreende, embora geralmente fique do lado de mamãe e Margot.” P. 43

Como não tinha ninguém para compartilhar as suas intimidades, Anne Frank escreve à sua amiga imaginária Kitty, todos os eventos da vida cotidiana não só dentro, como fora do Anexo, desde bombardeios à assaltos no meio da noite.
No dia 9 de julho de 1942, Anne Frank, seu pai, sua mãe e sua irmã chegam ao Anexo Secreto com a ajuda de pessoas que trabalhavam com Otto Frank: Bep, Sr. Kleiman, Sr. Kugler, Miep. O esconderijo ficava no prédio do escritório de Otto Frank, não era mais que um escritório de fundos, pequeno e entulhado, lugar em que ela viveria com mais sete pessoas por aproximadamente dois anos.
As pessoas que estavam escondidas no Anexo eram:
- A família Frank (Anne Frank, Otto Frank, Sra. Frank e Margot)
- A família van Daan (Sr. e Sra. van Daan e Peter)
- Albert Dussel
Anne Frank não se dava muito bem com a família van Daan, principalmente a Sra. van Daan, a qual Anne Frank algumas vezes refere-se em seu diário de modo pejorativo. Com o tempo, Anne foi simpatizando por Peter. Foi por ele em que ela descobriu o amor.

“ De vez em quando, Peter consegue ser muito engraçado. Nós dois temos uma coisa em comum:gostamos de nos fantasiar, e todo mundo cai na risada. Uma noite fizemos um número, com Peter usando um dos vestidos justos de sua mãe e eu com o terno dele. Ele estava de chapéu; eu com um boné. Os adultos rolaram de rir, e nós também nos divertimos demais.” P.65

“Peter atingiu-me mais que papai. Bem sei que fui eu quem o conquistou, não ele a mim. Formei em minha mente uma imagem de Peter, pintei-o como um rapaz quieto e sensível, digno de amor, carente de afeição e carinho. Precisava de alguém para com ele abrir meu coração; queria um amigo que me ajudasse a encontrar o caminho certo. Devagar, mas com segurança, atraí Peter para mim. Finalmente, ao conseguir que ele se tornasse amigo, automaticamente desenvolveu-se entre nós uma intimidade que, pensando bem, eu não deveria ter permitido. Falamos em coisas bem íntimas e no entanto, até hoje, jamais tocamos nas coisas que enchiam e ainda enchem minha alma e meu coração. Ainda não sei o que pensar de Peter. Será ele superficial ou ainda acanhado, mesmo comigo?” p.364

A vida no Anexo era um pouco monótona, portanto Anne Frank passava o tempo lendo, estudando francês, dando aulas de alemão para aqueles que necessitavam no esconderijo, até fez curso de taquigrafia. Seus livros favoritos eram os de mitologia grega. A monotonia também era quebrada na hora em que todos se juntavam no final da tarde para ouvir o rádio, essa era a hora que se mantiam informados em relação à guerra.
A comida era racionada, faltava luz, faltava água. Havia períodos até em que não podiam nem ligar a torneira e nem darem a descarga, pois qualquer barulho a mais poderia ser notada a presença de mais alguém no escritório.
Certa vez, o Anexo foi assaltado, mais precisamente no dia16 de julho de 1943. O relato de Anne mostra como esse fato afetou sua vida e dos demais moradores do esconderijo:

“Querida Kitty,
Houve outra invasão, mas dessa vez foi real! Hoje de manhã às sete horas, Peter desceu ao armazém e logo percebeu que a porta do depósito e da rua estavam abertas. No mesmo instante contou a papai, que foi até o escritório particular, ligou o rádio numa estação alemã e trancou a porta. Em seguida, os dois subiram de novo. Nesses casos, temos ordens para não nos lavarmos nem abrirmos nenhuma torneira, ficar quietos e vestidos e não ir ao banheiro. Como sempre, seguidos tudo ao pé da letra. Todos ficamos satisfeitos por termos dormido bem sem escutar nada. Durante algum tempo, ficamos indignados porque ninguém do escritório subiu a manhã inteira; o Sr. Kleiman nos deixou no suspense até às onze e meia. Ele contou que os ladrões haviam forçado a porta de fora e a do depósito com um pé-de-cabra, mas, como não viram nada que valesse a pena roubar, tentaram a sorte no andar de cima. Roubaram duas caixas contendo quarenta florins, talões de cheques em branco e, pior de tudo, cupons para 170 quilos de açúcar, toda a nossa cota. Não vai ser fácil conseguir outros.” P.131

Além de assaltos, os moradores do Anexo passaram por momentos de angústia e medo nas diversas vezes em que Amsterdã foi bombardeada. Todos desejavam que não estivessem lá, que estivessem confortáveis em suas respectivas casas.
Em março de 1944, depois de ter ouvido uma transmissão na rádio inglesa, convidando os cidadãos a preservarem a sua história de guerra, Anne decidiu que assim que a guerra terminasse, ela publicaria um livro baseado em seu diário. Foi então que a partir de maio de 1944, em um período de dois meses e meio, Anne começou a revisar fervorosamente seu diário com o intuito de publicá-lo.
Pelo fato de ter vivido num período conturbado, com a ascensão dos nazistas ao poder e de ter ficado mais de dois anos na clandestinidade vivendo em um esconderijo, num período de guerra e perseguição, circunstâncias tão peculiares, fez com que Anne Frank amadurecesse mais rápido do que os outros jovens de sua idade.
Em 4 de agosto de 1944, a polícia armada, mas com roupas civis invadiu o Anexo e prenderam as oito pessoas que estavam escondidas, além do Sr. Kugler e do Sr. Kleiman e pegaram todo o dinheiro e os objetos de valor que encontraram. Após a invasão, as duas secretárias que trabalhavam no prédio, Bep e Miep, encontraram as folhas do diário de Anne espalhadas pelo chão. Miep guardou-as em uma gaveta. Depois da guerra quando não havia mais dúvidas de que Anne estava morta, ela deu o diário a Otto Frank.
Kugler e Kleiman foram transferidos para uma prisão em Amsterdã. Depois para um campo em Amersfoot na Holanda. Kleiman foi solto ainda em 1944 devido a problemas de saúde e continuou em Amsterdã até sua morte em 1959. Kugler conseguiu fugir da prisão em 1945 quando estava sendo mandado com outros prisioneiros para um campo de trabalho forçado na Alemanha. Emigrou para o Canadá em 1955 e morreu em Toronto em 1989. Bep morreu em Amsterdã em 1983, já Miep ainda está viva e mora em Amsterdã.
Sr. van Daan morreu na câmara de gás de Auschwitz em outubro de 1944. A Sra. van Daan foi transportada de Auschwitz para outros campos de concentração, é certo que não sobreviveu mas não se sabe quando ela morreu. Peter foi obrigado a participar da marcha da morte, em janeiro de 1945, de Auschwitz a Mauthausen na Áustria, onde morreu em maio de 1945, três dias antes do campo ser libertado.
Albert Dussel morreu em dezembro de 1944 no campo de concentração de Neuengamme.
A Sra. Frank morreu em Auschwitz-Birkenau em janeiro de 1945 de fome e exaustão. Margot e Anne Frank foram transportadas de Auschwitz e levadas para Bergen-Belsen, na Alemanha. Irrompeu uma epidemia de tifo devido às péssimas condições de higiene, que matou Margot e uns dias depois Anne Frank aos 15 anos de idade. Otto Frank foi o único que sobreviveu aos campos de concentração. Casou-se novamente e foi morar em Birsfelden, na Basiléia, onde se dedicou a divulgar a mensagem do diário de sua filha às pessoas no mundo inteiro e morreu em agosto de 1980.

"Negacionismo: Gênese e desenvolvimento do extermínio conceitual” – Luís Milman - Fichamento 10

Os debates sobre o negacionismo têm mobilizado, desde a década de 80, intelectuais e ativistas dos direitos humanos de maneira crescente. Por essa razão, com respeito à questão objetiva que motiva esses debates, a saber, a negação do Holocausto, Milman se propõe a fazer algumas contestações preliminares.
Primeiro: o negacionismo, numa perspectiva estritamente historiográfica, não é uma interpretação alternativa, nem reacionária, nem mesmo nazistófila do hitlerismo. Ele é uma construção ideológica de aparência histórica e, nessa condição, não suscita problemas ao nível da compreensão do Holocausto e das duas conseqüências. Segundo: é muito comum que, na análise do problema da negação do Holocausto, nos deparemos com falsas questões. Terceiro: como historiografia, o negacionismo é uma deformação. Como ideologia, no entanto, ele é uma expressão particularmente assustadora da naturalidade com que convivemos com o perspectivismo relativista, o verbalismo vazio e a demagogia pseudocientífica. Os negadores praticam, por fanatismo ou por oportunismo, o embuste e o cinismo.
Marcados tais pontos preliminares, a intenção de Milman é abordar o negacionismo a partir de duas perspectivas complementares: a primeira é histórico-política e esclarece sobre as etapas mais significativas da trajetória deste movimento; a segunda é conceitual e analisa a forma como elementos doutrinários racistas, anti-judaicos e anti-sionistas são combinados nas teses dos seus principais protagonistas.
Em linhas gerais, os negacionistas apresentam-se como pesquisadores dedicados a questionar a história oficial. Dadas as suas características de dissimulação histórica e as suas motivações políticas, o negacionismo deve ser analisado em pelo menos três planos distintos e complementares: em primeiro plano, como expressão do ideário político anti-semita cultivado pela direita radical européia desde o final do século passado. Em segundo plano, como instrumento de uma intensa ofensiva ideológica que visa a habilitar o fascismo como alternativa política para a solução de problemas estruturais das democracias consideradas estáveis na Europa do pós-guerra. Em terceiro plano, como forma de denunciar um alegado artificialismo do Estado de Israel, que expressa uma compreensão inteiramente anti-sionista do conflito árabe-israelense e, sobretudo, palestino-israelense.
Para estabelecer a correlação entre esses níveis, é imprescindível fazer a referência a alguns nomes destacados do movimento, como Paul Rassinier e Robert Faurisson, personagens em torno dos quais a escola negacionista construiu suas bases atuais. Os contornos do negacionismo começaram a ser definidos no início da década de 50. É importante destacar esse fato, porque ele nos chama a atenção para a fase na qual a idéia da negação estava sendo concebida. Paul Rassinier, sobre a influência de Maurice Bardèche, um dos principais líderes do nazifascismo do pós-guerra, publica a tese de que a Guerra havia sido provocada por um complô judeu internacional.
O negacionismo passa, a partir dos anos 70, a ser o elemento central de uma estratégia que se destina a criar condições para a recomposição ideológica de grupos políticos nazistas.
Milman destaca o nome de Faurisson, que entra em cena dez anos depois da morte de Rassinier e, no final dos anos 70, torna-se o nome mais expressivo dos negacionistas, condição que obteve, em grande medida, devido a uma circunstância histórico-política especificamente francesa. Ele iniciou suas pesquisas sobre o Holocausto em 1972, já em 1978 publicou “O boato de Auschwitz”. Em 1979, Faurisson foi saudado por neonazistas, desta vez na condição de personalidade do I Congresso Mundial Revisionista e, promovido pelo Liberty Lobby, uma das mais antigas associações xenófobo-fascistas nos EUA. Aclamado pelos líderes da extrema-direita segregacionista dos EUA, que passaram a adotar sem reservas a negação do Holocausto como eixo de sua estratégia de propaganda, Faurisson marcou sua presença em vários eventos patrocinados por racistas e neonazistas norte-americanos. Atualmente, todos os arqui-supremacistas e anti-semitas dos EUA e Canadá multiplicam as idéias de Faurisson e Rassinier, em milhares de panfletos e jornalecos ultradireitistas.
Vale destacar também o inglês David, Irving, o norte-americano Arthur Butz e o francês Garaudy que constituem com Faurisson, o grupo dos principais protagonistas desta corrente mistificatória.
Os negadores do Holocausto são certamente insuperáveis e originais. Insuperáveis na medida em que dedicam milhares de páginas para desmentir um fato indesmentível. E originais, porque não se conhece nenhum empreendimento que se pretenda científico ou critico sequer semelhante ao movimento dos negadores do Holocausto.
No negacionismo, o crime cometido pelos nazistas é simplesmente suprimido, transformado em ficção e, nessa condição, atribuído a um plano de dominação judaica. Por essa razão, a ciência, nada tem a dizer sobre tais manipulações, a não ser chamá-las pelo seu verdadeiro nome: elas não passam de mistificações flagrantes, fundamentadas em evidências e provas degeneradas, que nada revelam sobre a II Guerra ou sobre a política de extermínio de Hitler.
A argumentação dos negadores do extermínio parte de um raciocínio que possui alguns pressupostos encobertos tais quais: o pressuposto mitológico, que recorre à anuência ainda que tácita dos leitores às doutrinas ocultistas da história, em especial as teorias do complô judaico, desenvolvidas no final do século XIX; o pressuposto mistificatório, que caracteriza as técnicas de estelionato documental destinadas a desacreditar as evidências do Holocausto.
Os ideólogos neonazistas dedicam-se a reorganizar o mito da conspiração judaica mundial em vista de objetivos políticos renovados. Eles são racistas, em sua grande maioria. Há também os judeófobos que migram de um esquerdismo salvacionista para o anti-sionismo, que é o lugar onde eles materializam a tirania judaica. Temos aí uma nova investida da catequese pelo racismo e pela mitologia conspiratória. Compreendê-la adequadamente é, certamente a atitude correta. Devemos isso à memória dos que foram mortos em Auschwitz, Beizec, Treblinka, Sobibor, Majdanek, Chelmno, às vitimas da eutanásia, das torturas, dos trabalhos forçados, dos fuzilamentos, do confinamento em guetos, dos que resistiram e dos que enfrentaram o nazismo. Devemos, sobretudo, a nós mesmos e ao nosso futuro como civilização.


Bibliografia


MILMAN, Luís. “Negacionismo: gênese e desenvolvimento do genocídio conceitual” In.: MILMAN, Luís, VIZENTINI, Paulo, Op. Cit., p.115 a 154

“A negação dos assassinatos em massa do nacional-socialismo: desafios para a ciência e para a educação política” – Krause-Vilmar - Fichamento 9

Krause-Vilmar tem o objetivo de abordar um tema específico que se localiza no amplo campo de estudos e análises do neonazismo e do extremismo político, a saber, a negação dos assassinatos em massa cometidos pelo nacional-socialismo. Para ele, a monstruosidade dos crimes nazistas impõe alguns compromissos permanentes, uma vez que muitas pessoas não podiam ou não queriam em vista do horror dos crimes, acreditar que seres humanos teriam sido capazes de fazer algo assim.
O Revisionismo pode ser definido como a negação pública dos crimes nazistas. As pessoas que ainda não negavam que tivesse ocorrido essa matança em massa por meio do uso de gás tóxico ou gás asfixiante, inicialmente relativizaram as declarações das testemunhas da época.
Os pontos que foram negados pelos revisionistas são os seguintes: o número de pessoas assassinadas; as técnicas usadas no extermínio; documentos e figuras históricas que foram apresentados; os locais dos campos de morte e a existência das câmaras de gás. O cerne das afirmações dos revisionistas consiste na negação do assassinato em massa dos judeus europeus. Frequentemente se questiona a culpa dos alemães pela guerra e a dimensão dos crimes cometidos por eles, que são minimizados ou bagatelizados. Essa relativização, bagatelização e negação dos crimes dos nacional-socialistas abrange uma gama ampla de assuntos, sendo que nela observa-se uma passagem fluida da relativização para a negação. Em muitas publicações revisionistas sobre o nacional-socialismo ou sobre a 2ª Guerra Mundial, não é feito o relato sobre o extermínio dos judeus europeus ou então ele é mencionado como sendo apenas um acontecimento, entre outros, relacionado à guerra.
Numa outra atitude, a existência dos crimes é admitida, mas se afirma que eles seriam apenas seqüelas inevitáveis dos acontecimentos relacionados à guerra.Em outra afirmação deste gênero, os crimes, inclusive os assassinatos nas câmaras de gás, não são negados, porém minimizados em suas dimensões. Os crimes não são negados, mas sustenta-se que não teriam sido ordenados pelas lideranças máximas dos nacional-socialistas. Por outro lado, encontramos a negação categórica do extermínio dos judeus e a explicação de que o Holocausto não passa de uma invenção, produzida simplesmente por um complô do judaísmo internacional.
Os que negam a ocorrência dos extermínios em Auschwitz argumentam em níveis que podem ser diferenciados qualitativamente. A primeira objeção diz respeito ao tratamento tendencioso dos testemunhos das vítimas. Os testemunhos dos criminosos são apresentados como tendo sido obtidos por meio de tortura ou de outras formas de extorsão e, por isso, considerados como inteiramente sem valor. Já as pessoas perseguidas, assassinadas e supliciadas, aparecem sempre na condição de mentirosas, como criadoras de fantasias e exageros. A segunda objeção que se deve levantar é que neste tipo de postura, a Alemanha é apresentada como sendo vítima da guerra. Uma terceira objeção que pode ser feita, em termos metodológicos com relação à postura dos revisionistas, diz respeito à descontextualização de documentos e de alguns fatos históricos. Quarta objeção: o foco das afirmações dos negacionistas é o campo de concentração de Auschwitz. Isto é digno de nota, porque embora os demais crimes do nacional-socialismo sejam sistematicamente negados por alguns revisionistas, tais crimes são somente tematizados de passagem. Outra característica da literatura revisionista que enseja um questionamento é o uso de uma linguagem marcada pelo ódio e pelo desprezo. O nível lingüístico da argumentação dessas pessoas não é objetivo, sóbrio, ou apropriado a um discurso que busque um distanciamento analítico. Pelo contrário, muitas vezes frases e expressões de origem anti-semita caracterizadas pelo ódio vêm à tona.
Krause-Vilmar faz alguns comentários sobre quatro complexos de fontes. Ele afirma que dispomos, por exemplo, de fichas de trabalho de trabalhadores civis em Auschwitz, que informam sobre os serviços de manutenção e reparos nas câmaras de gás. Nesse tipo de documentação, encontramos testemunhos que apontam para a existência de uma conexão entre as câmaras de gás e os crematórios.
Outro aspecto digno de consideração é a capacidade dos crematórios. É inquestionável e documentalmente comprovado, que os quatro crematórios existentes no campo de concentração foram planejados e construídos para um grande número de mortos. Outro complexo de fontes é constituído pelas reações aos relatos feitos por aqueles prisioneiros que fugiram de Auschwitz durante a guerra. A credibilidade desses relatos está assegurada pelo fato de que eles acarretaram decisões políticas de amplo alcance, que por sua vez estão documentadas através de testemunhos e registros. O quarto complexo de fontes diz respeito aos documentos da SS.
Dificilmente temos condições de discutir com os próprios defensores da negação, dado o ponto ao qual eles chegaram, enterrando a si próprios numa atitude de isolamento e encapsulamento. Entretanto, visto que a dúvida e a insegurança disseminadas pelas perguntas que eles formulam, mesmo que tais perguntas não sejam reconhecidas, faz-se necessário, no contexto da formação política e histórica, acionar uma argumentação clara em contraposição a esses defensores da negação.


Bibliografia:

KRAUSE-VILMAR, Dietfrid. “A negação dos assassinatos em massa do nacional-socialismo: desafios para a ciência e para a educação política” In.: MILMAN, Luís, VIZENTINI, Paulo, op. Cit., p.97 a 114.

domingo, 15 de junho de 2008

Resenha do documentário "Triunfo da Vontade"

O triunfo da vontade é um documentário propagandista dirigido pela cineasta alemã Leni Riefenstahl na década de 30. Ele surpreende pelas técnicas de filmagem avançadas para a época. Ele foi encomendado pelo próprio Adolf Hitler, quem admirava o seu trabalho. É um dos filmes de propaganda política mais conhecidos na história do cinema. Ele mostra muitos membros do Partido Nazista, assim como soldados marchando ao som de música clássica e cantando, mostrando a sua lealdade para com Hitler.
O filme é marcado por uma seqüencia repetitiva de imagens de desfiles militares. As imagens revelam como o líder nazista era aclamado e ovacionado pelas massas, seus discursos emocionavam a multidão.Hitler é ali retratado como um ídolo, em meio a elementos messiânicos e heróicos.
Os desfiles eram sempre colossais, com centenas de milhares de pessoas fazendo a reverência nazista. As imagens podem ser comparadas a um imenso espetáculo, no qual Hitler é o protagonista e a multidão os personagens coadjuvantes.

“O ressurgimento da extrema direita e do negacionismo: a dimensão histórica e internacional” – Paulo F. Vizentini - Fichamento 8

Vizentini divide o capítulo em duas partes: nascimento, expansão, derrota e hibernação do fascismo e ressurgimento da extrema direito e o neonazismo. De acordo com ele serão focadas duas questões um pouco diferentes: o neonazismo e extrema direita e o extremismo político. Será dado enfoque também a um outro fenômeno distinto – as gangs – como, por exemplo, grupos de skinheads, verdadeiras tropas de choque, que por vezes esses movimentos produzem. Portanto, nem sempre são as mesmas pessoas, nem têm as mesmas características, sendo esse movimento, infelizmente, um processo múltiplo.
O nazifascismo é um movimento que está ligado à crise do liberalismo e à crise da própria noção de progresso. Ele retoma as tradições conservadoras que vinham praticamente desde a derrubada do Absolutismo, com as revoluções liberais e burguesas na Europa. Opunham-se à noção de progresso, de razão à noção iluminista. O que impulsionou esses movimentos foi a Crise de 29 e a Grande Depressão. O nazifascismo era visto como um movimento de um mal menor e uma forma de bloqueio à possibilidade de revoluções socialistas na Europa.
Em 1945, o fascismo foi derrotado, mas não eliminado ou vencido definitivamente, porém somos surpreendidos pelo ressurgimento, com muita força, desses movimentos. No final da 2ª Guerra Mundial, por exemplo, dois regimes de perfil fascista na Europa, Portugal de Salazar e a Espanha de Franco negociaram com as potências vencedoras e mantiveram-se no poder. Não podemos esquecer também do regime dos coronéis gregos durante os anos 60 e 80. Curiosamente, isto fez com que a extrema direita começasse a reorganizar-se, rearticular-se e integrar-se mais abertamente.
Quando termina a 2ª Guerra Mundial, emerge gradativamente aquilo que vai se chamar de Guerra Fria. Havia que reconstituir muitos desses países. Era preciso reconstituir o espectro político desses países, dota-los de novos partidos e criar grandes formações de centro ou de centro-direita que estabilizassem a vida política nacional, evitando a vitória da poderosa esquerda. Obviamente que as direções desses partidos, seus dirigentes, eram pessoas que vinham da oposição ao fascismo, algumas das quais haviam sido perseguidas, outras menos, mas pessoas que vinham da oposição.
É curioso, mas poucos anos depois de terminada a 2ª Guerra Mundial, já havia um discurso liberal em muitos dos antigos países fascistas, como se ali não tivesse havido nada de excepcional. Ou seja, o problema estava do outro lado da Cortina de Ferro, exclusivamente. Essa foi uma camuflagem muito útil para a manutenção da vida política nesses lugares, para quebrar o poder da resistência e dos grandes partidos de esquerda e dos sindicatos, que eram extremamente fortes em vários desses países. Outro fato curioso é que no período da Guerra Fria existia uma literatura soviética a justificar que, em certos países do Leste Europeu, determinados grupos políticos de oposição eram classificados como fascistas que se opunham ao regime que ali vigorava, tanto na época do stalinismo quanto depois, durante a desestalinização.
Durante os “anos dourados” houve uma desnazificação conduzida pelos governos, com políticas educacionais específicas dirigidas aos estudantes e toda a geração que se seguiu à Guerra, existindo um enquadramento desses em uma sociedade liberal democrática, uma sociedade de consumo, ocorrendo progressivamente, uma despolitização dessas populações.
Em meados da década de 70, o mundo inteiro é sacudido por diversas revoluções ultranacionalistas ou socialistas, que atingem o terceiro mundo, da Nicarágua à Angola, do Irã ao Vietnã. Nesse sentido, as elites e segmentos da classe média européia também começam a preocupar-se. A isso se soma também outro fator que favorece o renascimento do nazifascismo: a estagnação e a regressão demográfica dos países do Hemisfério Norte. A idéia de “invasão dos bárbaros” vai se arraigando no espírito dos europeus. Dessa forma, a Europa aparece como velho Império Romano em declínio e os bárbaros, aqueles de pele morena que vão invadir e conspurcar os modos de vida que os ocidentais detinham.
Por outro lado, essa sociedade de consumo substitui a idéia de cidadania em termos de militância política, por uma idéia de cidadania enquanto consumo. Portanto, há uma presença muito grande desse movimento de contra-cultura como desencanto com a sociedade de consumo, com a sociedade que se centrava na questão do indivíduo e do enriquecimento pessoal. Esse vai ser então, um local de recrutamento para as organizações fascistas ou neofascistas.
Os anos 80 são anos de retomada do liberalismo na economia e da retomada da Guerra Fria no plano da política internacional. É uma época que vai caracterizar-se pelo desemprego e por incertezas de toda ordem, por desencanto. A população européia começa a ver sua noção de progresso, prosperidade e segurança ser perdida. Estes aspectos não explícitos na superfície estão latentes na base e, no caso da Inglaterra é interessante, não só pelos skinheads, mas pelas torcidas organizadas, os hooligans, que estão fortemente implantados nos bairros de desempregados e de classes deprimidas. Logo em seguida, estas tensões sociais vão encontrar uma válvula de escape na xenofobia e no racismo, que foi seu grande ponto de partida e o seu relançamento.
Nos anos 90, com a queda do Leste Europeu, com o fim da URSS e da Guerra Fria, os neonazistas começam a fazer ações, principalmente nos países do Leste europeu que saem do regime socialista. A extrema direita, o nacionalismo, a xenofobia e as idéias neonazistas surgem com vigor em países onde até então não havia, de certa forma, estruturas e formas de convivência capazes de lidar com este fenômeno. Os riscos contidos no ressurgimento do nazismo e da extrema direita são incalculáveis. Estamos vivendo uma espécie de esgotamento, declínio e em alguns pontos, até colapso de uma ordem que existiu anteriormente.


Bibliografia:


VIZENTINI, Paulo F. “O ressurgimento da extrema direita e do neonazismo: a dimensão histórica e conceitual” In.: MILMAN, Luís, VIZENTINI, Paulo. Neonazismo, negacionismo e extremismo político. Porto Alegre, Editora da Universidade, 2000. p.17 a 46. Livro disponível em http://www.derechos.org/nizkor/brazil/libros/neonazis/

“Sol Negro: cultos arianos; nazismo esotérico e políticas de identidade” – Conclusão: p. 397 a 401 – Nicholas Goodrick-Clarke - Fichamento 7

Raça é o imã dos cultos arianos e do nazismo esotérico, o princípio guia de sua visão de mundo histórica e política. Apesar de a opinião liberal nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha se opor fortemente ao racismo, diversos fatores na política ocidental agiram para reintroduzir a raça como uma categoria legítima de identificação grupal.
Cultos arianos e o nazismo esotérico afirmam poderosas mitologias para negar o declínio do poder branco no mundo. O pessimismo cultural de Julius Evola, de Savitri Devi e de Miguel Serrano expressa o temor da queda dos brancos (arianos) em uma era degenerada, dominada por inferiores raciais e sociais. Da mesma forma, Francis Parker Yockey articula uma filosofia mítica da história, na qual as raças européias estão temporariamente incapacitadas pelas influências judaicas e estrangeiras e impedidas de cumprir seu destino em um poderoso novo Império mundial. Já Wilhem Landig elabora uma mitologia neovölkisch das origens arianas na setentrional Thule, para profetizar a recuperação e ressurreição da Alemanha nazista. Os mitos de óvnis nazistas e do Sol Negro desempenham uma função similar, embora rústica, para neonazistas alemães que lamentam a derrota na Segunda Guerra Mundial e o triunfo do liberalismo na ordem internacional.
Comentadores notaram a ascensão de um novo nacionalismo como uma cultura de resistência às recentes forças de globalização e de imigração. Assim, é altamente significativo que o culto ariano da identidade branca é mais marcado nos Estados Unidos, onde os desafios do multiculturalismo e da imigração vinda do Terceiro Mundo têm sido maiores.
A primazia dos direitos humanos internacionais sobre noções de soberania nacional também levou a uma erosão progressiva da cidadania, pela qual estrangeiros clandestinos recebem benefícios do bem-estar social, da educação, de subsídios do governo e até mesmo o direito de voto.
A conversão dos Estados Unidos em uma “colônia do mundo” ou uma “nação universal” não tem precedentes no mundo moderno. Forças similares estão agindo na Europa, em especial na Grã-Bretanha, onde o multiculturalismo é promovido por agendas políticas liberais de esquerda, na busca de apoio eleitoral das cada vez mais numerosas minorias étnicas.
Entretanto, o surgimento das gangues racistas de skinheads, a música white power e a transformação do racismo neonazista em novas religiões populares de identidade branca espelham claramente os crescentes níveis de imigração para países ocidentais e as conseqüentes pressões na direção do multiculturalismo.
Os desafios do multirracionalismo nos Estados ocidentais liberais são ainda maiores, e é evidente que a ação afirmativa e o multiculturalismo estão levando a uma hostilidade ainda mais difusa contra o liberalismo. Goodrick-Clarke faz uma estimativa de que num futuro potencialmente autoritário em 2020 ou 2030, esses cultos arianos e o nazismo esotérico podem ser documentados como sintomas iniciais de grandes mudanças desestabilizadoras nas democracias ocidentais da atualidade.

Bibliografia:

GOODRICK-CLARKE, Nicholas. Sol negro: cultos arianos, nazismo esotérico e políticas de identidade. São Paulo: Madras, 2004. Conclusão: p. 397 a 401

terça-feira, 3 de junho de 2008

Resenha do filme "Arquitetura da destruição"

O filme “Arquitetura da destruição” é dirigido pelo sueco Peter Cohen e mostra algumas metas do programa de governo criado por Hitler baseado na busca pela beleza e elevação e na aniquilação não só de doentes como também do grande inimigo: os judeus.
“Criar um mundo mais harmonioso”, isto é, uma Alemanha mais forte e mais bonita, essa era a meta dos nazistas. Hitler, no seu governo foi influenciado por três fatores nos quais tinha grande admiração:
- Linz
- Antigüidade – Hitler quis retornar à Antigüidade através do culto à arte renascentista, na qual se baseava na Antigüidade, na busca do belo, do forte e do saudável. Ele via Roma, Atenas e Esparta como um modelo de sociedade.
- Wagner – propostas de Wagner: Anti-semitismo, culto ao legado nórdico e mito do sangue puro.

Noção de arte para uma nova civilização

Peter Cohen deixa bem claro no documentário, a paixão de Hitler pela arte, já que este havia sido um artista fracassado. Hitler havia declarado que depois da guerra iria se dedicar à arte. E se dedicou também durante a guerra com a compra de milhares de obras de arte.
A arte era de importância fundamental para os nazistas; foi o próprio Hitler quem criou a propaganda nazista. A arte bolchevique e judia contrastava com o ideal de arte proposto por Hitler: os feios e os doentes (chamada por ele de arte degenerada) contra a arte renascentista que cultuava a beleza, no caso o ideal alemão.
Hitler pretendia criar uma nova Alemanha, com uma arquitetura de imensas proporções, que através de imagens mostradas no filme fica evidente a sua grandiosidade.

Eugenia e higiene social e a questão dos judeus

Foi adotado um programa de eutanásia com o objetivo de eliminar todos aqueles que eram feios e doentes que não se encaixavam com o ideal alemão. Esse programa nada mais era do que um assassinato dos “inferiores.”
Não só os doentes, mas principalmente os judeus tinham que ser exterminados. Os nazistas viam os judeus como uma praga a ser eliminada. Bastava ser judeu para ser eliminado. A meta era acabar com 11 milhões de judeus, porém não teria como esses 11 milhões serem fuzilados. Uma forma mais eficiente era preciso ser adotada para essa meta ser concluída. Então foram criados campos de extermínios, nos quais judeus eram agrupados e mandados a câmaras de gás, não só como uma medida mais rápida, pelo extermínio em massa, como também por ser uma medida de higiene, além das vítimas serem poupadas de sofrer até o fim.

Resenha do documentário "Homo Sapiens 1900"

O documentário “Homo Sapiens 1900” é dirigido pelo sueco Peter Cohen. Ele aborda um tema polêmico: a eugenia usada com fins negativos e as teorias de limpeza racial que deram origem ao Nazismo. Cohen critica principalmente o Nazismo e o Stalinismo pelo uso negativo que fizeram da eugenia. Ambos os regimes recorreram à eugenia para criar um aperfeiçoamento da raça humana e criação de um novo homem. A Alemanha nazista buscava esse aperfeiçoamento na limpeza racial que passava pelo corpo, buscava a beleza e a perfeição física nos moldes que deveriam construir o super-homem ariano, nos quais foram retomados os conceitos gregos antigos de perfeição. Já na União Soviética stalinista, a eugenia tinha como alvo o cérebro e o intelecto, também com vistas à criação de um novo homem idealizado.
O documentário foi baseado em extensa pesquisa de fotos, entrevistas, documentos e cenas raras de arquivo. Cohen discute a utilização dos conceitos darwinistas – onde só os mais aptos sobrevivem – que são utilizados pelos fascistas para se justificarem das atrocidades cometidas pelos próprios como a manipulação biológica como arma para eliminar todos (judeus, ciganos, deficientes físicos e mentais, inclusive recém-nascidos) que não se adaptam ao padrão ideal fascista.
O filme mostra cenas em que recém-nascidos que não pertencem ao padrão exigido são abandonados à própria sorte. São mostradas também as casas em que os nazistas utilizavam não só para abrigar mulheres que dariam à luz a alemães puros como também um refúgio para que houvesse um cruzamento sexual para a reprodução de mais homens perfeitos, o que entrava em choque com o conceito de família que estava na base do regime. Além das instituições que na época funcionavam como “lar” para pessoas com deficiências físicas e ou mentais que acabavam morrendo misteriosamente por não corresponderem às expectativas do regime.