domingo, 22 de junho de 2008

"Negacionismo: Gênese e desenvolvimento do extermínio conceitual” – Luís Milman - Fichamento 10

Os debates sobre o negacionismo têm mobilizado, desde a década de 80, intelectuais e ativistas dos direitos humanos de maneira crescente. Por essa razão, com respeito à questão objetiva que motiva esses debates, a saber, a negação do Holocausto, Milman se propõe a fazer algumas contestações preliminares.
Primeiro: o negacionismo, numa perspectiva estritamente historiográfica, não é uma interpretação alternativa, nem reacionária, nem mesmo nazistófila do hitlerismo. Ele é uma construção ideológica de aparência histórica e, nessa condição, não suscita problemas ao nível da compreensão do Holocausto e das duas conseqüências. Segundo: é muito comum que, na análise do problema da negação do Holocausto, nos deparemos com falsas questões. Terceiro: como historiografia, o negacionismo é uma deformação. Como ideologia, no entanto, ele é uma expressão particularmente assustadora da naturalidade com que convivemos com o perspectivismo relativista, o verbalismo vazio e a demagogia pseudocientífica. Os negadores praticam, por fanatismo ou por oportunismo, o embuste e o cinismo.
Marcados tais pontos preliminares, a intenção de Milman é abordar o negacionismo a partir de duas perspectivas complementares: a primeira é histórico-política e esclarece sobre as etapas mais significativas da trajetória deste movimento; a segunda é conceitual e analisa a forma como elementos doutrinários racistas, anti-judaicos e anti-sionistas são combinados nas teses dos seus principais protagonistas.
Em linhas gerais, os negacionistas apresentam-se como pesquisadores dedicados a questionar a história oficial. Dadas as suas características de dissimulação histórica e as suas motivações políticas, o negacionismo deve ser analisado em pelo menos três planos distintos e complementares: em primeiro plano, como expressão do ideário político anti-semita cultivado pela direita radical européia desde o final do século passado. Em segundo plano, como instrumento de uma intensa ofensiva ideológica que visa a habilitar o fascismo como alternativa política para a solução de problemas estruturais das democracias consideradas estáveis na Europa do pós-guerra. Em terceiro plano, como forma de denunciar um alegado artificialismo do Estado de Israel, que expressa uma compreensão inteiramente anti-sionista do conflito árabe-israelense e, sobretudo, palestino-israelense.
Para estabelecer a correlação entre esses níveis, é imprescindível fazer a referência a alguns nomes destacados do movimento, como Paul Rassinier e Robert Faurisson, personagens em torno dos quais a escola negacionista construiu suas bases atuais. Os contornos do negacionismo começaram a ser definidos no início da década de 50. É importante destacar esse fato, porque ele nos chama a atenção para a fase na qual a idéia da negação estava sendo concebida. Paul Rassinier, sobre a influência de Maurice Bardèche, um dos principais líderes do nazifascismo do pós-guerra, publica a tese de que a Guerra havia sido provocada por um complô judeu internacional.
O negacionismo passa, a partir dos anos 70, a ser o elemento central de uma estratégia que se destina a criar condições para a recomposição ideológica de grupos políticos nazistas.
Milman destaca o nome de Faurisson, que entra em cena dez anos depois da morte de Rassinier e, no final dos anos 70, torna-se o nome mais expressivo dos negacionistas, condição que obteve, em grande medida, devido a uma circunstância histórico-política especificamente francesa. Ele iniciou suas pesquisas sobre o Holocausto em 1972, já em 1978 publicou “O boato de Auschwitz”. Em 1979, Faurisson foi saudado por neonazistas, desta vez na condição de personalidade do I Congresso Mundial Revisionista e, promovido pelo Liberty Lobby, uma das mais antigas associações xenófobo-fascistas nos EUA. Aclamado pelos líderes da extrema-direita segregacionista dos EUA, que passaram a adotar sem reservas a negação do Holocausto como eixo de sua estratégia de propaganda, Faurisson marcou sua presença em vários eventos patrocinados por racistas e neonazistas norte-americanos. Atualmente, todos os arqui-supremacistas e anti-semitas dos EUA e Canadá multiplicam as idéias de Faurisson e Rassinier, em milhares de panfletos e jornalecos ultradireitistas.
Vale destacar também o inglês David, Irving, o norte-americano Arthur Butz e o francês Garaudy que constituem com Faurisson, o grupo dos principais protagonistas desta corrente mistificatória.
Os negadores do Holocausto são certamente insuperáveis e originais. Insuperáveis na medida em que dedicam milhares de páginas para desmentir um fato indesmentível. E originais, porque não se conhece nenhum empreendimento que se pretenda científico ou critico sequer semelhante ao movimento dos negadores do Holocausto.
No negacionismo, o crime cometido pelos nazistas é simplesmente suprimido, transformado em ficção e, nessa condição, atribuído a um plano de dominação judaica. Por essa razão, a ciência, nada tem a dizer sobre tais manipulações, a não ser chamá-las pelo seu verdadeiro nome: elas não passam de mistificações flagrantes, fundamentadas em evidências e provas degeneradas, que nada revelam sobre a II Guerra ou sobre a política de extermínio de Hitler.
A argumentação dos negadores do extermínio parte de um raciocínio que possui alguns pressupostos encobertos tais quais: o pressuposto mitológico, que recorre à anuência ainda que tácita dos leitores às doutrinas ocultistas da história, em especial as teorias do complô judaico, desenvolvidas no final do século XIX; o pressuposto mistificatório, que caracteriza as técnicas de estelionato documental destinadas a desacreditar as evidências do Holocausto.
Os ideólogos neonazistas dedicam-se a reorganizar o mito da conspiração judaica mundial em vista de objetivos políticos renovados. Eles são racistas, em sua grande maioria. Há também os judeófobos que migram de um esquerdismo salvacionista para o anti-sionismo, que é o lugar onde eles materializam a tirania judaica. Temos aí uma nova investida da catequese pelo racismo e pela mitologia conspiratória. Compreendê-la adequadamente é, certamente a atitude correta. Devemos isso à memória dos que foram mortos em Auschwitz, Beizec, Treblinka, Sobibor, Majdanek, Chelmno, às vitimas da eutanásia, das torturas, dos trabalhos forçados, dos fuzilamentos, do confinamento em guetos, dos que resistiram e dos que enfrentaram o nazismo. Devemos, sobretudo, a nós mesmos e ao nosso futuro como civilização.


Bibliografia


MILMAN, Luís. “Negacionismo: gênese e desenvolvimento do genocídio conceitual” In.: MILMAN, Luís, VIZENTINI, Paulo, Op. Cit., p.115 a 154

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