domingo, 22 de junho de 2008

Resenha do livro “O diário de Anne Frank”

Anne Frank nasceu na Alemanha em 12 de junho de 1929. Aos quatro anos de idade sua família viu-se obrigada a deixar a Alemanha por conta da ascensão de Hitler ao poder. Vivia na Holanda quando a perseguição aos judeus também se deu nesse país. Otto Frank, pai de Anne, e sua família unem-se a mais quatro pessoas e decidem esconder-se dos invasores alemães. O esconderijo, no livro, é chamado por Anne Frank de Anexo Secreto, localizado em Amsterdã.
Em 12 de junho de 1942 Anne Frank ganha entre outros presentes um diário. Aí então que ela começa a escrever todos os fatos que acontecem em sua vida a partir desse dia:
“Espero poder contar tudo a você, como nunca pude contar a ninguém, e espero que você seja uma grande fonte de conforto e ajuda.”

O diário foi para Anne Frank um amigo, um companheiro, um pai e uma mãe, no qual ela pôde contar todas as suas reflexões, aflições, tensões, medos e pensamentos mais íntimos. Refiro-me ao diário como um pai e uma mãe devido à sua difícil relação com sua família. Ela mal se entendia com a mãe e sua irmã mais velha Margot que tinha personalidade completamente diferente da sua. Sua mãe sempre a comparava a Margot, enaltecendo as qualidades desta. A única pessoa em que ela tinha uma boa relação era seu pai, pessoa à qual ela admirava, porém não podia conversar sobre todos os assuntos. Algum tempo mais à frente Anne reconhece que foi mimada demais pelos seus pais, foi tratada com gentileza, a defenderam dos van Daan e fizeram o máximo que poderiam ter feito. Porém nunca havia sido compreendida por eles.

“Dá para ver facilmente a diferença entre o modo como tratam Margot e o modo como me tratam. Por exemplo, Margot quebrou o aspirador de pó, e por causa disso ficamos sem luz o resto do dia. Mamãe disse:
- Bom, Margot, dá para ver que você não está acostumada a trabalhar; do contrário, não puxaria a tomada pelo fio.
Margot respondeu alguma coisa e ficou por isso mesmo.
Mas hoje à tarde, quando eu quis reescrever umas coisinhas na lista de compras de mamãe porque a letra dele é difícil de entender, ela não deixou. Brigou comigo de novo, e toda a família terminou se envolvendo. (...) Papai é o único que sempre me compreende, embora geralmente fique do lado de mamãe e Margot.” P. 43

Como não tinha ninguém para compartilhar as suas intimidades, Anne Frank escreve à sua amiga imaginária Kitty, todos os eventos da vida cotidiana não só dentro, como fora do Anexo, desde bombardeios à assaltos no meio da noite.
No dia 9 de julho de 1942, Anne Frank, seu pai, sua mãe e sua irmã chegam ao Anexo Secreto com a ajuda de pessoas que trabalhavam com Otto Frank: Bep, Sr. Kleiman, Sr. Kugler, Miep. O esconderijo ficava no prédio do escritório de Otto Frank, não era mais que um escritório de fundos, pequeno e entulhado, lugar em que ela viveria com mais sete pessoas por aproximadamente dois anos.
As pessoas que estavam escondidas no Anexo eram:
- A família Frank (Anne Frank, Otto Frank, Sra. Frank e Margot)
- A família van Daan (Sr. e Sra. van Daan e Peter)
- Albert Dussel
Anne Frank não se dava muito bem com a família van Daan, principalmente a Sra. van Daan, a qual Anne Frank algumas vezes refere-se em seu diário de modo pejorativo. Com o tempo, Anne foi simpatizando por Peter. Foi por ele em que ela descobriu o amor.

“ De vez em quando, Peter consegue ser muito engraçado. Nós dois temos uma coisa em comum:gostamos de nos fantasiar, e todo mundo cai na risada. Uma noite fizemos um número, com Peter usando um dos vestidos justos de sua mãe e eu com o terno dele. Ele estava de chapéu; eu com um boné. Os adultos rolaram de rir, e nós também nos divertimos demais.” P.65

“Peter atingiu-me mais que papai. Bem sei que fui eu quem o conquistou, não ele a mim. Formei em minha mente uma imagem de Peter, pintei-o como um rapaz quieto e sensível, digno de amor, carente de afeição e carinho. Precisava de alguém para com ele abrir meu coração; queria um amigo que me ajudasse a encontrar o caminho certo. Devagar, mas com segurança, atraí Peter para mim. Finalmente, ao conseguir que ele se tornasse amigo, automaticamente desenvolveu-se entre nós uma intimidade que, pensando bem, eu não deveria ter permitido. Falamos em coisas bem íntimas e no entanto, até hoje, jamais tocamos nas coisas que enchiam e ainda enchem minha alma e meu coração. Ainda não sei o que pensar de Peter. Será ele superficial ou ainda acanhado, mesmo comigo?” p.364

A vida no Anexo era um pouco monótona, portanto Anne Frank passava o tempo lendo, estudando francês, dando aulas de alemão para aqueles que necessitavam no esconderijo, até fez curso de taquigrafia. Seus livros favoritos eram os de mitologia grega. A monotonia também era quebrada na hora em que todos se juntavam no final da tarde para ouvir o rádio, essa era a hora que se mantiam informados em relação à guerra.
A comida era racionada, faltava luz, faltava água. Havia períodos até em que não podiam nem ligar a torneira e nem darem a descarga, pois qualquer barulho a mais poderia ser notada a presença de mais alguém no escritório.
Certa vez, o Anexo foi assaltado, mais precisamente no dia16 de julho de 1943. O relato de Anne mostra como esse fato afetou sua vida e dos demais moradores do esconderijo:

“Querida Kitty,
Houve outra invasão, mas dessa vez foi real! Hoje de manhã às sete horas, Peter desceu ao armazém e logo percebeu que a porta do depósito e da rua estavam abertas. No mesmo instante contou a papai, que foi até o escritório particular, ligou o rádio numa estação alemã e trancou a porta. Em seguida, os dois subiram de novo. Nesses casos, temos ordens para não nos lavarmos nem abrirmos nenhuma torneira, ficar quietos e vestidos e não ir ao banheiro. Como sempre, seguidos tudo ao pé da letra. Todos ficamos satisfeitos por termos dormido bem sem escutar nada. Durante algum tempo, ficamos indignados porque ninguém do escritório subiu a manhã inteira; o Sr. Kleiman nos deixou no suspense até às onze e meia. Ele contou que os ladrões haviam forçado a porta de fora e a do depósito com um pé-de-cabra, mas, como não viram nada que valesse a pena roubar, tentaram a sorte no andar de cima. Roubaram duas caixas contendo quarenta florins, talões de cheques em branco e, pior de tudo, cupons para 170 quilos de açúcar, toda a nossa cota. Não vai ser fácil conseguir outros.” P.131

Além de assaltos, os moradores do Anexo passaram por momentos de angústia e medo nas diversas vezes em que Amsterdã foi bombardeada. Todos desejavam que não estivessem lá, que estivessem confortáveis em suas respectivas casas.
Em março de 1944, depois de ter ouvido uma transmissão na rádio inglesa, convidando os cidadãos a preservarem a sua história de guerra, Anne decidiu que assim que a guerra terminasse, ela publicaria um livro baseado em seu diário. Foi então que a partir de maio de 1944, em um período de dois meses e meio, Anne começou a revisar fervorosamente seu diário com o intuito de publicá-lo.
Pelo fato de ter vivido num período conturbado, com a ascensão dos nazistas ao poder e de ter ficado mais de dois anos na clandestinidade vivendo em um esconderijo, num período de guerra e perseguição, circunstâncias tão peculiares, fez com que Anne Frank amadurecesse mais rápido do que os outros jovens de sua idade.
Em 4 de agosto de 1944, a polícia armada, mas com roupas civis invadiu o Anexo e prenderam as oito pessoas que estavam escondidas, além do Sr. Kugler e do Sr. Kleiman e pegaram todo o dinheiro e os objetos de valor que encontraram. Após a invasão, as duas secretárias que trabalhavam no prédio, Bep e Miep, encontraram as folhas do diário de Anne espalhadas pelo chão. Miep guardou-as em uma gaveta. Depois da guerra quando não havia mais dúvidas de que Anne estava morta, ela deu o diário a Otto Frank.
Kugler e Kleiman foram transferidos para uma prisão em Amsterdã. Depois para um campo em Amersfoot na Holanda. Kleiman foi solto ainda em 1944 devido a problemas de saúde e continuou em Amsterdã até sua morte em 1959. Kugler conseguiu fugir da prisão em 1945 quando estava sendo mandado com outros prisioneiros para um campo de trabalho forçado na Alemanha. Emigrou para o Canadá em 1955 e morreu em Toronto em 1989. Bep morreu em Amsterdã em 1983, já Miep ainda está viva e mora em Amsterdã.
Sr. van Daan morreu na câmara de gás de Auschwitz em outubro de 1944. A Sra. van Daan foi transportada de Auschwitz para outros campos de concentração, é certo que não sobreviveu mas não se sabe quando ela morreu. Peter foi obrigado a participar da marcha da morte, em janeiro de 1945, de Auschwitz a Mauthausen na Áustria, onde morreu em maio de 1945, três dias antes do campo ser libertado.
Albert Dussel morreu em dezembro de 1944 no campo de concentração de Neuengamme.
A Sra. Frank morreu em Auschwitz-Birkenau em janeiro de 1945 de fome e exaustão. Margot e Anne Frank foram transportadas de Auschwitz e levadas para Bergen-Belsen, na Alemanha. Irrompeu uma epidemia de tifo devido às péssimas condições de higiene, que matou Margot e uns dias depois Anne Frank aos 15 anos de idade. Otto Frank foi o único que sobreviveu aos campos de concentração. Casou-se novamente e foi morar em Birsfelden, na Basiléia, onde se dedicou a divulgar a mensagem do diário de sua filha às pessoas no mundo inteiro e morreu em agosto de 1980.

"Negacionismo: Gênese e desenvolvimento do extermínio conceitual” – Luís Milman - Fichamento 10

Os debates sobre o negacionismo têm mobilizado, desde a década de 80, intelectuais e ativistas dos direitos humanos de maneira crescente. Por essa razão, com respeito à questão objetiva que motiva esses debates, a saber, a negação do Holocausto, Milman se propõe a fazer algumas contestações preliminares.
Primeiro: o negacionismo, numa perspectiva estritamente historiográfica, não é uma interpretação alternativa, nem reacionária, nem mesmo nazistófila do hitlerismo. Ele é uma construção ideológica de aparência histórica e, nessa condição, não suscita problemas ao nível da compreensão do Holocausto e das duas conseqüências. Segundo: é muito comum que, na análise do problema da negação do Holocausto, nos deparemos com falsas questões. Terceiro: como historiografia, o negacionismo é uma deformação. Como ideologia, no entanto, ele é uma expressão particularmente assustadora da naturalidade com que convivemos com o perspectivismo relativista, o verbalismo vazio e a demagogia pseudocientífica. Os negadores praticam, por fanatismo ou por oportunismo, o embuste e o cinismo.
Marcados tais pontos preliminares, a intenção de Milman é abordar o negacionismo a partir de duas perspectivas complementares: a primeira é histórico-política e esclarece sobre as etapas mais significativas da trajetória deste movimento; a segunda é conceitual e analisa a forma como elementos doutrinários racistas, anti-judaicos e anti-sionistas são combinados nas teses dos seus principais protagonistas.
Em linhas gerais, os negacionistas apresentam-se como pesquisadores dedicados a questionar a história oficial. Dadas as suas características de dissimulação histórica e as suas motivações políticas, o negacionismo deve ser analisado em pelo menos três planos distintos e complementares: em primeiro plano, como expressão do ideário político anti-semita cultivado pela direita radical européia desde o final do século passado. Em segundo plano, como instrumento de uma intensa ofensiva ideológica que visa a habilitar o fascismo como alternativa política para a solução de problemas estruturais das democracias consideradas estáveis na Europa do pós-guerra. Em terceiro plano, como forma de denunciar um alegado artificialismo do Estado de Israel, que expressa uma compreensão inteiramente anti-sionista do conflito árabe-israelense e, sobretudo, palestino-israelense.
Para estabelecer a correlação entre esses níveis, é imprescindível fazer a referência a alguns nomes destacados do movimento, como Paul Rassinier e Robert Faurisson, personagens em torno dos quais a escola negacionista construiu suas bases atuais. Os contornos do negacionismo começaram a ser definidos no início da década de 50. É importante destacar esse fato, porque ele nos chama a atenção para a fase na qual a idéia da negação estava sendo concebida. Paul Rassinier, sobre a influência de Maurice Bardèche, um dos principais líderes do nazifascismo do pós-guerra, publica a tese de que a Guerra havia sido provocada por um complô judeu internacional.
O negacionismo passa, a partir dos anos 70, a ser o elemento central de uma estratégia que se destina a criar condições para a recomposição ideológica de grupos políticos nazistas.
Milman destaca o nome de Faurisson, que entra em cena dez anos depois da morte de Rassinier e, no final dos anos 70, torna-se o nome mais expressivo dos negacionistas, condição que obteve, em grande medida, devido a uma circunstância histórico-política especificamente francesa. Ele iniciou suas pesquisas sobre o Holocausto em 1972, já em 1978 publicou “O boato de Auschwitz”. Em 1979, Faurisson foi saudado por neonazistas, desta vez na condição de personalidade do I Congresso Mundial Revisionista e, promovido pelo Liberty Lobby, uma das mais antigas associações xenófobo-fascistas nos EUA. Aclamado pelos líderes da extrema-direita segregacionista dos EUA, que passaram a adotar sem reservas a negação do Holocausto como eixo de sua estratégia de propaganda, Faurisson marcou sua presença em vários eventos patrocinados por racistas e neonazistas norte-americanos. Atualmente, todos os arqui-supremacistas e anti-semitas dos EUA e Canadá multiplicam as idéias de Faurisson e Rassinier, em milhares de panfletos e jornalecos ultradireitistas.
Vale destacar também o inglês David, Irving, o norte-americano Arthur Butz e o francês Garaudy que constituem com Faurisson, o grupo dos principais protagonistas desta corrente mistificatória.
Os negadores do Holocausto são certamente insuperáveis e originais. Insuperáveis na medida em que dedicam milhares de páginas para desmentir um fato indesmentível. E originais, porque não se conhece nenhum empreendimento que se pretenda científico ou critico sequer semelhante ao movimento dos negadores do Holocausto.
No negacionismo, o crime cometido pelos nazistas é simplesmente suprimido, transformado em ficção e, nessa condição, atribuído a um plano de dominação judaica. Por essa razão, a ciência, nada tem a dizer sobre tais manipulações, a não ser chamá-las pelo seu verdadeiro nome: elas não passam de mistificações flagrantes, fundamentadas em evidências e provas degeneradas, que nada revelam sobre a II Guerra ou sobre a política de extermínio de Hitler.
A argumentação dos negadores do extermínio parte de um raciocínio que possui alguns pressupostos encobertos tais quais: o pressuposto mitológico, que recorre à anuência ainda que tácita dos leitores às doutrinas ocultistas da história, em especial as teorias do complô judaico, desenvolvidas no final do século XIX; o pressuposto mistificatório, que caracteriza as técnicas de estelionato documental destinadas a desacreditar as evidências do Holocausto.
Os ideólogos neonazistas dedicam-se a reorganizar o mito da conspiração judaica mundial em vista de objetivos políticos renovados. Eles são racistas, em sua grande maioria. Há também os judeófobos que migram de um esquerdismo salvacionista para o anti-sionismo, que é o lugar onde eles materializam a tirania judaica. Temos aí uma nova investida da catequese pelo racismo e pela mitologia conspiratória. Compreendê-la adequadamente é, certamente a atitude correta. Devemos isso à memória dos que foram mortos em Auschwitz, Beizec, Treblinka, Sobibor, Majdanek, Chelmno, às vitimas da eutanásia, das torturas, dos trabalhos forçados, dos fuzilamentos, do confinamento em guetos, dos que resistiram e dos que enfrentaram o nazismo. Devemos, sobretudo, a nós mesmos e ao nosso futuro como civilização.


Bibliografia


MILMAN, Luís. “Negacionismo: gênese e desenvolvimento do genocídio conceitual” In.: MILMAN, Luís, VIZENTINI, Paulo, Op. Cit., p.115 a 154

“A negação dos assassinatos em massa do nacional-socialismo: desafios para a ciência e para a educação política” – Krause-Vilmar - Fichamento 9

Krause-Vilmar tem o objetivo de abordar um tema específico que se localiza no amplo campo de estudos e análises do neonazismo e do extremismo político, a saber, a negação dos assassinatos em massa cometidos pelo nacional-socialismo. Para ele, a monstruosidade dos crimes nazistas impõe alguns compromissos permanentes, uma vez que muitas pessoas não podiam ou não queriam em vista do horror dos crimes, acreditar que seres humanos teriam sido capazes de fazer algo assim.
O Revisionismo pode ser definido como a negação pública dos crimes nazistas. As pessoas que ainda não negavam que tivesse ocorrido essa matança em massa por meio do uso de gás tóxico ou gás asfixiante, inicialmente relativizaram as declarações das testemunhas da época.
Os pontos que foram negados pelos revisionistas são os seguintes: o número de pessoas assassinadas; as técnicas usadas no extermínio; documentos e figuras históricas que foram apresentados; os locais dos campos de morte e a existência das câmaras de gás. O cerne das afirmações dos revisionistas consiste na negação do assassinato em massa dos judeus europeus. Frequentemente se questiona a culpa dos alemães pela guerra e a dimensão dos crimes cometidos por eles, que são minimizados ou bagatelizados. Essa relativização, bagatelização e negação dos crimes dos nacional-socialistas abrange uma gama ampla de assuntos, sendo que nela observa-se uma passagem fluida da relativização para a negação. Em muitas publicações revisionistas sobre o nacional-socialismo ou sobre a 2ª Guerra Mundial, não é feito o relato sobre o extermínio dos judeus europeus ou então ele é mencionado como sendo apenas um acontecimento, entre outros, relacionado à guerra.
Numa outra atitude, a existência dos crimes é admitida, mas se afirma que eles seriam apenas seqüelas inevitáveis dos acontecimentos relacionados à guerra.Em outra afirmação deste gênero, os crimes, inclusive os assassinatos nas câmaras de gás, não são negados, porém minimizados em suas dimensões. Os crimes não são negados, mas sustenta-se que não teriam sido ordenados pelas lideranças máximas dos nacional-socialistas. Por outro lado, encontramos a negação categórica do extermínio dos judeus e a explicação de que o Holocausto não passa de uma invenção, produzida simplesmente por um complô do judaísmo internacional.
Os que negam a ocorrência dos extermínios em Auschwitz argumentam em níveis que podem ser diferenciados qualitativamente. A primeira objeção diz respeito ao tratamento tendencioso dos testemunhos das vítimas. Os testemunhos dos criminosos são apresentados como tendo sido obtidos por meio de tortura ou de outras formas de extorsão e, por isso, considerados como inteiramente sem valor. Já as pessoas perseguidas, assassinadas e supliciadas, aparecem sempre na condição de mentirosas, como criadoras de fantasias e exageros. A segunda objeção que se deve levantar é que neste tipo de postura, a Alemanha é apresentada como sendo vítima da guerra. Uma terceira objeção que pode ser feita, em termos metodológicos com relação à postura dos revisionistas, diz respeito à descontextualização de documentos e de alguns fatos históricos. Quarta objeção: o foco das afirmações dos negacionistas é o campo de concentração de Auschwitz. Isto é digno de nota, porque embora os demais crimes do nacional-socialismo sejam sistematicamente negados por alguns revisionistas, tais crimes são somente tematizados de passagem. Outra característica da literatura revisionista que enseja um questionamento é o uso de uma linguagem marcada pelo ódio e pelo desprezo. O nível lingüístico da argumentação dessas pessoas não é objetivo, sóbrio, ou apropriado a um discurso que busque um distanciamento analítico. Pelo contrário, muitas vezes frases e expressões de origem anti-semita caracterizadas pelo ódio vêm à tona.
Krause-Vilmar faz alguns comentários sobre quatro complexos de fontes. Ele afirma que dispomos, por exemplo, de fichas de trabalho de trabalhadores civis em Auschwitz, que informam sobre os serviços de manutenção e reparos nas câmaras de gás. Nesse tipo de documentação, encontramos testemunhos que apontam para a existência de uma conexão entre as câmaras de gás e os crematórios.
Outro aspecto digno de consideração é a capacidade dos crematórios. É inquestionável e documentalmente comprovado, que os quatro crematórios existentes no campo de concentração foram planejados e construídos para um grande número de mortos. Outro complexo de fontes é constituído pelas reações aos relatos feitos por aqueles prisioneiros que fugiram de Auschwitz durante a guerra. A credibilidade desses relatos está assegurada pelo fato de que eles acarretaram decisões políticas de amplo alcance, que por sua vez estão documentadas através de testemunhos e registros. O quarto complexo de fontes diz respeito aos documentos da SS.
Dificilmente temos condições de discutir com os próprios defensores da negação, dado o ponto ao qual eles chegaram, enterrando a si próprios numa atitude de isolamento e encapsulamento. Entretanto, visto que a dúvida e a insegurança disseminadas pelas perguntas que eles formulam, mesmo que tais perguntas não sejam reconhecidas, faz-se necessário, no contexto da formação política e histórica, acionar uma argumentação clara em contraposição a esses defensores da negação.


Bibliografia:

KRAUSE-VILMAR, Dietfrid. “A negação dos assassinatos em massa do nacional-socialismo: desafios para a ciência e para a educação política” In.: MILMAN, Luís, VIZENTINI, Paulo, op. Cit., p.97 a 114.

domingo, 15 de junho de 2008

Resenha do documentário "Triunfo da Vontade"

O triunfo da vontade é um documentário propagandista dirigido pela cineasta alemã Leni Riefenstahl na década de 30. Ele surpreende pelas técnicas de filmagem avançadas para a época. Ele foi encomendado pelo próprio Adolf Hitler, quem admirava o seu trabalho. É um dos filmes de propaganda política mais conhecidos na história do cinema. Ele mostra muitos membros do Partido Nazista, assim como soldados marchando ao som de música clássica e cantando, mostrando a sua lealdade para com Hitler.
O filme é marcado por uma seqüencia repetitiva de imagens de desfiles militares. As imagens revelam como o líder nazista era aclamado e ovacionado pelas massas, seus discursos emocionavam a multidão.Hitler é ali retratado como um ídolo, em meio a elementos messiânicos e heróicos.
Os desfiles eram sempre colossais, com centenas de milhares de pessoas fazendo a reverência nazista. As imagens podem ser comparadas a um imenso espetáculo, no qual Hitler é o protagonista e a multidão os personagens coadjuvantes.

“O ressurgimento da extrema direita e do negacionismo: a dimensão histórica e internacional” – Paulo F. Vizentini - Fichamento 8

Vizentini divide o capítulo em duas partes: nascimento, expansão, derrota e hibernação do fascismo e ressurgimento da extrema direito e o neonazismo. De acordo com ele serão focadas duas questões um pouco diferentes: o neonazismo e extrema direita e o extremismo político. Será dado enfoque também a um outro fenômeno distinto – as gangs – como, por exemplo, grupos de skinheads, verdadeiras tropas de choque, que por vezes esses movimentos produzem. Portanto, nem sempre são as mesmas pessoas, nem têm as mesmas características, sendo esse movimento, infelizmente, um processo múltiplo.
O nazifascismo é um movimento que está ligado à crise do liberalismo e à crise da própria noção de progresso. Ele retoma as tradições conservadoras que vinham praticamente desde a derrubada do Absolutismo, com as revoluções liberais e burguesas na Europa. Opunham-se à noção de progresso, de razão à noção iluminista. O que impulsionou esses movimentos foi a Crise de 29 e a Grande Depressão. O nazifascismo era visto como um movimento de um mal menor e uma forma de bloqueio à possibilidade de revoluções socialistas na Europa.
Em 1945, o fascismo foi derrotado, mas não eliminado ou vencido definitivamente, porém somos surpreendidos pelo ressurgimento, com muita força, desses movimentos. No final da 2ª Guerra Mundial, por exemplo, dois regimes de perfil fascista na Europa, Portugal de Salazar e a Espanha de Franco negociaram com as potências vencedoras e mantiveram-se no poder. Não podemos esquecer também do regime dos coronéis gregos durante os anos 60 e 80. Curiosamente, isto fez com que a extrema direita começasse a reorganizar-se, rearticular-se e integrar-se mais abertamente.
Quando termina a 2ª Guerra Mundial, emerge gradativamente aquilo que vai se chamar de Guerra Fria. Havia que reconstituir muitos desses países. Era preciso reconstituir o espectro político desses países, dota-los de novos partidos e criar grandes formações de centro ou de centro-direita que estabilizassem a vida política nacional, evitando a vitória da poderosa esquerda. Obviamente que as direções desses partidos, seus dirigentes, eram pessoas que vinham da oposição ao fascismo, algumas das quais haviam sido perseguidas, outras menos, mas pessoas que vinham da oposição.
É curioso, mas poucos anos depois de terminada a 2ª Guerra Mundial, já havia um discurso liberal em muitos dos antigos países fascistas, como se ali não tivesse havido nada de excepcional. Ou seja, o problema estava do outro lado da Cortina de Ferro, exclusivamente. Essa foi uma camuflagem muito útil para a manutenção da vida política nesses lugares, para quebrar o poder da resistência e dos grandes partidos de esquerda e dos sindicatos, que eram extremamente fortes em vários desses países. Outro fato curioso é que no período da Guerra Fria existia uma literatura soviética a justificar que, em certos países do Leste Europeu, determinados grupos políticos de oposição eram classificados como fascistas que se opunham ao regime que ali vigorava, tanto na época do stalinismo quanto depois, durante a desestalinização.
Durante os “anos dourados” houve uma desnazificação conduzida pelos governos, com políticas educacionais específicas dirigidas aos estudantes e toda a geração que se seguiu à Guerra, existindo um enquadramento desses em uma sociedade liberal democrática, uma sociedade de consumo, ocorrendo progressivamente, uma despolitização dessas populações.
Em meados da década de 70, o mundo inteiro é sacudido por diversas revoluções ultranacionalistas ou socialistas, que atingem o terceiro mundo, da Nicarágua à Angola, do Irã ao Vietnã. Nesse sentido, as elites e segmentos da classe média européia também começam a preocupar-se. A isso se soma também outro fator que favorece o renascimento do nazifascismo: a estagnação e a regressão demográfica dos países do Hemisfério Norte. A idéia de “invasão dos bárbaros” vai se arraigando no espírito dos europeus. Dessa forma, a Europa aparece como velho Império Romano em declínio e os bárbaros, aqueles de pele morena que vão invadir e conspurcar os modos de vida que os ocidentais detinham.
Por outro lado, essa sociedade de consumo substitui a idéia de cidadania em termos de militância política, por uma idéia de cidadania enquanto consumo. Portanto, há uma presença muito grande desse movimento de contra-cultura como desencanto com a sociedade de consumo, com a sociedade que se centrava na questão do indivíduo e do enriquecimento pessoal. Esse vai ser então, um local de recrutamento para as organizações fascistas ou neofascistas.
Os anos 80 são anos de retomada do liberalismo na economia e da retomada da Guerra Fria no plano da política internacional. É uma época que vai caracterizar-se pelo desemprego e por incertezas de toda ordem, por desencanto. A população européia começa a ver sua noção de progresso, prosperidade e segurança ser perdida. Estes aspectos não explícitos na superfície estão latentes na base e, no caso da Inglaterra é interessante, não só pelos skinheads, mas pelas torcidas organizadas, os hooligans, que estão fortemente implantados nos bairros de desempregados e de classes deprimidas. Logo em seguida, estas tensões sociais vão encontrar uma válvula de escape na xenofobia e no racismo, que foi seu grande ponto de partida e o seu relançamento.
Nos anos 90, com a queda do Leste Europeu, com o fim da URSS e da Guerra Fria, os neonazistas começam a fazer ações, principalmente nos países do Leste europeu que saem do regime socialista. A extrema direita, o nacionalismo, a xenofobia e as idéias neonazistas surgem com vigor em países onde até então não havia, de certa forma, estruturas e formas de convivência capazes de lidar com este fenômeno. Os riscos contidos no ressurgimento do nazismo e da extrema direita são incalculáveis. Estamos vivendo uma espécie de esgotamento, declínio e em alguns pontos, até colapso de uma ordem que existiu anteriormente.


Bibliografia:


VIZENTINI, Paulo F. “O ressurgimento da extrema direita e do neonazismo: a dimensão histórica e conceitual” In.: MILMAN, Luís, VIZENTINI, Paulo. Neonazismo, negacionismo e extremismo político. Porto Alegre, Editora da Universidade, 2000. p.17 a 46. Livro disponível em http://www.derechos.org/nizkor/brazil/libros/neonazis/

“Sol Negro: cultos arianos; nazismo esotérico e políticas de identidade” – Conclusão: p. 397 a 401 – Nicholas Goodrick-Clarke - Fichamento 7

Raça é o imã dos cultos arianos e do nazismo esotérico, o princípio guia de sua visão de mundo histórica e política. Apesar de a opinião liberal nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha se opor fortemente ao racismo, diversos fatores na política ocidental agiram para reintroduzir a raça como uma categoria legítima de identificação grupal.
Cultos arianos e o nazismo esotérico afirmam poderosas mitologias para negar o declínio do poder branco no mundo. O pessimismo cultural de Julius Evola, de Savitri Devi e de Miguel Serrano expressa o temor da queda dos brancos (arianos) em uma era degenerada, dominada por inferiores raciais e sociais. Da mesma forma, Francis Parker Yockey articula uma filosofia mítica da história, na qual as raças européias estão temporariamente incapacitadas pelas influências judaicas e estrangeiras e impedidas de cumprir seu destino em um poderoso novo Império mundial. Já Wilhem Landig elabora uma mitologia neovölkisch das origens arianas na setentrional Thule, para profetizar a recuperação e ressurreição da Alemanha nazista. Os mitos de óvnis nazistas e do Sol Negro desempenham uma função similar, embora rústica, para neonazistas alemães que lamentam a derrota na Segunda Guerra Mundial e o triunfo do liberalismo na ordem internacional.
Comentadores notaram a ascensão de um novo nacionalismo como uma cultura de resistência às recentes forças de globalização e de imigração. Assim, é altamente significativo que o culto ariano da identidade branca é mais marcado nos Estados Unidos, onde os desafios do multiculturalismo e da imigração vinda do Terceiro Mundo têm sido maiores.
A primazia dos direitos humanos internacionais sobre noções de soberania nacional também levou a uma erosão progressiva da cidadania, pela qual estrangeiros clandestinos recebem benefícios do bem-estar social, da educação, de subsídios do governo e até mesmo o direito de voto.
A conversão dos Estados Unidos em uma “colônia do mundo” ou uma “nação universal” não tem precedentes no mundo moderno. Forças similares estão agindo na Europa, em especial na Grã-Bretanha, onde o multiculturalismo é promovido por agendas políticas liberais de esquerda, na busca de apoio eleitoral das cada vez mais numerosas minorias étnicas.
Entretanto, o surgimento das gangues racistas de skinheads, a música white power e a transformação do racismo neonazista em novas religiões populares de identidade branca espelham claramente os crescentes níveis de imigração para países ocidentais e as conseqüentes pressões na direção do multiculturalismo.
Os desafios do multirracionalismo nos Estados ocidentais liberais são ainda maiores, e é evidente que a ação afirmativa e o multiculturalismo estão levando a uma hostilidade ainda mais difusa contra o liberalismo. Goodrick-Clarke faz uma estimativa de que num futuro potencialmente autoritário em 2020 ou 2030, esses cultos arianos e o nazismo esotérico podem ser documentados como sintomas iniciais de grandes mudanças desestabilizadoras nas democracias ocidentais da atualidade.

Bibliografia:

GOODRICK-CLARKE, Nicholas. Sol negro: cultos arianos, nazismo esotérico e políticas de identidade. São Paulo: Madras, 2004. Conclusão: p. 397 a 401

terça-feira, 3 de junho de 2008

Resenha do filme "Arquitetura da destruição"

O filme “Arquitetura da destruição” é dirigido pelo sueco Peter Cohen e mostra algumas metas do programa de governo criado por Hitler baseado na busca pela beleza e elevação e na aniquilação não só de doentes como também do grande inimigo: os judeus.
“Criar um mundo mais harmonioso”, isto é, uma Alemanha mais forte e mais bonita, essa era a meta dos nazistas. Hitler, no seu governo foi influenciado por três fatores nos quais tinha grande admiração:
- Linz
- Antigüidade – Hitler quis retornar à Antigüidade através do culto à arte renascentista, na qual se baseava na Antigüidade, na busca do belo, do forte e do saudável. Ele via Roma, Atenas e Esparta como um modelo de sociedade.
- Wagner – propostas de Wagner: Anti-semitismo, culto ao legado nórdico e mito do sangue puro.

Noção de arte para uma nova civilização

Peter Cohen deixa bem claro no documentário, a paixão de Hitler pela arte, já que este havia sido um artista fracassado. Hitler havia declarado que depois da guerra iria se dedicar à arte. E se dedicou também durante a guerra com a compra de milhares de obras de arte.
A arte era de importância fundamental para os nazistas; foi o próprio Hitler quem criou a propaganda nazista. A arte bolchevique e judia contrastava com o ideal de arte proposto por Hitler: os feios e os doentes (chamada por ele de arte degenerada) contra a arte renascentista que cultuava a beleza, no caso o ideal alemão.
Hitler pretendia criar uma nova Alemanha, com uma arquitetura de imensas proporções, que através de imagens mostradas no filme fica evidente a sua grandiosidade.

Eugenia e higiene social e a questão dos judeus

Foi adotado um programa de eutanásia com o objetivo de eliminar todos aqueles que eram feios e doentes que não se encaixavam com o ideal alemão. Esse programa nada mais era do que um assassinato dos “inferiores.”
Não só os doentes, mas principalmente os judeus tinham que ser exterminados. Os nazistas viam os judeus como uma praga a ser eliminada. Bastava ser judeu para ser eliminado. A meta era acabar com 11 milhões de judeus, porém não teria como esses 11 milhões serem fuzilados. Uma forma mais eficiente era preciso ser adotada para essa meta ser concluída. Então foram criados campos de extermínios, nos quais judeus eram agrupados e mandados a câmaras de gás, não só como uma medida mais rápida, pelo extermínio em massa, como também por ser uma medida de higiene, além das vítimas serem poupadas de sofrer até o fim.

Resenha do documentário "Homo Sapiens 1900"

O documentário “Homo Sapiens 1900” é dirigido pelo sueco Peter Cohen. Ele aborda um tema polêmico: a eugenia usada com fins negativos e as teorias de limpeza racial que deram origem ao Nazismo. Cohen critica principalmente o Nazismo e o Stalinismo pelo uso negativo que fizeram da eugenia. Ambos os regimes recorreram à eugenia para criar um aperfeiçoamento da raça humana e criação de um novo homem. A Alemanha nazista buscava esse aperfeiçoamento na limpeza racial que passava pelo corpo, buscava a beleza e a perfeição física nos moldes que deveriam construir o super-homem ariano, nos quais foram retomados os conceitos gregos antigos de perfeição. Já na União Soviética stalinista, a eugenia tinha como alvo o cérebro e o intelecto, também com vistas à criação de um novo homem idealizado.
O documentário foi baseado em extensa pesquisa de fotos, entrevistas, documentos e cenas raras de arquivo. Cohen discute a utilização dos conceitos darwinistas – onde só os mais aptos sobrevivem – que são utilizados pelos fascistas para se justificarem das atrocidades cometidas pelos próprios como a manipulação biológica como arma para eliminar todos (judeus, ciganos, deficientes físicos e mentais, inclusive recém-nascidos) que não se adaptam ao padrão ideal fascista.
O filme mostra cenas em que recém-nascidos que não pertencem ao padrão exigido são abandonados à própria sorte. São mostradas também as casas em que os nazistas utilizavam não só para abrigar mulheres que dariam à luz a alemães puros como também um refúgio para que houvesse um cruzamento sexual para a reprodução de mais homens perfeitos, o que entrava em choque com o conceito de família que estava na base do regime. Além das instituições que na época funcionavam como “lar” para pessoas com deficiências físicas e ou mentais que acabavam morrendo misteriosamente por não corresponderem às expectativas do regime.

domingo, 18 de maio de 2008

“A anatomia do fascismo” – Capítulo 7, p.283 – 334 – Robert Paxton - Fichamento 6

O fascismo teria acabado? Haveria a possibilidade de um Quarto Reich ou algo equivalente estar sendo gestado? Em termos mais modestos, existiriam condições nas quais algum tipo de neofascismo poderia vir a se tornar um agente poderoso o suficiente para exercer influência sobre as políticas de um sistema de governo?
São essas as perguntas que iniciam o capítulo “Outras épocas, outros lugares” de Robert Paxton. Ele vai procurar respondê-las dando alguns exemplos de lugares nos quais o fascismo teve ou tem influência não só na Europa como em outras partes do mundo.
Um possível renascimento do fascismo passou a enfrentar novos obstáculos após 1945: a crescente prosperidade e a globalização aparentemente irreversível da economia mundial, o triunfo do consumismo individual, o declínio da disponibilidade da guerra como instrumento de política nacional para os grandes países da era nuclear, a redução da credibilidade da ameaça revolucionária. Todos esses desdobramentos do pós-guerra sugerem a muitos que o fascismo, tal como floresceu na Europa entre as duas guerras mundiais, não poderia voltar a existir depois de 1945. Embora o fascismo ainda esteja vivo, as condições da Europa do entreguerras, que permitiram a ele fundar grandes movimentos e até mesmo tomar o poder, deixaram de existir.
De acordo com Paxton, o estágio da fundação dos movimentos de extrema direita com algum tipo de vínculo explícito ou implícito com o fascismo continua ocorrendo de forma generalizada. Entretanto, quando esses movimentos se tornam enraizados nos sistemas políticos como atores importantes e representantes de interesses significativos, impõe testes históricos de um grau muito maior de exigência.
Ex-nazistas e ex-fascistas impenitentes, durante toda a geração que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, criaram movimentos-herdeiros em todos os países europeus. Seria de se esperar que os fascismos saudosistas diminuíssem à medida que a geração de Hitler e Mussolini e a geração seguinte fossem morrendo. Inesperadamente, entretanto, movimentos e partidos de direita entraram em um período de crescimento nos anos de 1980 e 1990.
O declínio dos setores fabris tradicionais foi um processo longo, mas assumiu proporções de crise após o primeiro e o segundo “choques do petróleo” , de 1973 e 1979. Enfrentando a competição dos “tigres asiáticos”, com seus custos de mão-de-obra inferiores, sobrecarregados com sistemas de seguridade social caros e com falta de estoques de energia, que vinha ficando cada vez mais cara, a Europa, pela primeira vez desde a década de 1930, passou a enfrentar o desemprego estrutural de longo prazo. Essa transformação sísmica do mercado de trabalho tendeu a produzir sociedades divididas em dois níveis: a parcela da população com maior nível de escolaridade se saiu muito bem na nova economia, ao passo que as camadas que não tinham acesso ao treinamento necessário pareciam fadadas a uma situação permanentemente de subclasse.
Os europeus tiveram que aprender a coexistir com comunidades permanentes de africanos, indianos e islâmicos, que alardeavam suas identidades separadas. A ameaça imigrante não era apenas econômica e social. Eles, com seus costumes, línguas e religiões estranhos, eram freqüentemente percebidos como um fator de enfraquecimento da identidade nacional. O componente mais perturbador da direita radical, a partir da década de 1980 foi o fenômeno skinhead. Jovens descontentes, desocupados e ressentidos desenvolveram um culto à ação violenta, expresso em cabeças raspadas, insígnias nazistas, música oi agressiva e ataques homicidas a imigrantes, especialmente africanos e muçulmanos e também a homossexuais.
Nos programas e nas declarações de partidos da direita radical européia ouvem-se ecos dos temas fascistas clássicos: medo da decadência e do declínio; afirmação da identidade nacional e cultural; a ameaça à identidade nacional e à ordem social representada pelos estrangeiros inassimiláveis; e a necessidade de uma autoridade mais forte para lidar com esses problemas. A maioria desses partidos é vista como movimentos de causa única, direcionado a mandar de volta a seus países de origem imigrantes indesejáveis e a reprimir a delinqüência desses grupos, só por essa razão que a maioria de seus eleitores tem seu voto. O elemento cuja ausência é mais notada, é o clássico ataque fascista à liberdade de mercado e ao individualismo econômico, a ser sanado pelo corporativismo e pela regulamentação dos mercados. Uma outra faceta dos programas do fascismo clássico ausente na direita radical da Europa do pós-guerra é o ataque fundamental às constituições democráticas e ao estado de direito. Um novo espaço se abriu para a direita radical européia a partir da década de 1970: a revolta dos contribuintes contra o Estado do bem-estar social.
Em suma, ainda que a Europa Ocidental a partir de 1945 tenha tido “fascismos herdeiros” na França, Itália, Áustria e Bélgica e Sérvia , por exemplo, e ainda que, a partir da década de 1980 uma nova geração de partidos de extrema direita, normalizados, apesar de racistas, tenha conseguido até mesmo ingressar em governos locais e nacionalistas na qualidade de parceiros minoritários, as circunstâncias, hoje em dia, são diferentes da Europa do entreguerras que não há abertura significativa para partidos abertamente filiados ao fascismo clássico.
Alguns observadores argumentam que o fascismo histórico específico exigia pré-condições especificamente européias da revolução cultural do fim do século, da intensa rivalidade entre os novos pretendentes ao status de Grande Potência, do nacionalismo de massas e da disputa pelo controle das novas instituições democráticas. Aqueles que estabelecem uma relação mais próxima entre o fascismo e crises políticas e sociais são mais dispostos a considerar a possibilidade de um equivalente fascista numa cultura não européia.
A América Latina, entre 1930 e inícios da década de 1950, chegou mais perto que qualquer outro continente que não a Europa do estabelecimento de algo próximo a regimes genuinamente fascistas. Brasil de Getúlio Vargas e Argentina de Perón são os maiores exemplos dessa influência fascista.
As similaridades são encontradas nos mecanismos de poder, nas técnicas de propaganda e na manipulação de imagens e, ocasionalmente, em políticas específicas tomadas de empréstimo ao fascismo, tais como a organização corporativista da economia. As diferenças se tornam mais aparentes quando examinamos os ambientes sociais e políticos e a relação desses regimes com a sociedade.
Tanto Vargas como Perón tomaram o poder das oligarquias, e não democracias falidas, e ambos, ampliaram a participação política. Governavam nações que ainda não se haviam formado por completo, e tentaram integrar num Estado nacional unificado suas populações díspares e seus chefes políticos locais, bem como as facções comandadas por estes. Os ditadores do fascismo clássico, ao contrário, governavam sobre Estados-nações já estabelecidos e obcecados com as ameaças a sua unidade, a sua energia e a sua posição. Nem Vargas nem Perón se sentiram obrigados a exterminar um grupo específico. Sua polícia, embora brutal e incontrolada, punia inimigos individualmente identificados, não tendo como meta a eliminação de categorias inteiras, como fez a ss de Hitler.
Em suma, as similaridades parecem se referir aos métodos e instrumentos tomados de empréstimo à época do apogeu do fascismo, enquanto as diferenças apontam para questões mais fundamentais de estrutura, função e relação com a sociedade.
Essa influência fascista se deu também no Japão. A ditadura militar expansionista que gradualmente surgiu no Japão entre 1931 e 1940 é chamada de fascista por alguns porque consistia de um governo de emergência, controlado por uma aliança entre a autoridade imperial, o grande empresariado, o primeiro escalão do serviço público e os militares, em defesa de interesses de classe ameaçados.
É entendendo de que forma o fascismo do passado funcionava, que nos tornamos capazes de reconhecê-lo. Sabendo o que sabemos hoje sobre o ciclo fascista, poderemos encontrar sinais de advertência ainda mais funestos em situações de impasse político diante de uma crise, em que os conservadores ameaçados procuram por aliados brutais, dispostos a abrir mão do devido processo legal e do estado de direito, tentando angariar o apoio das massas por meio de demagogia nacionalista e racista. Os fascistas se aproximam do poder quando os conservadores começam a tomar emprestado suas técnicas, apelar a “paixões mobilizadoras” e a tentar cooptar suas hostes.



Bibliografia
PAXTON, Robert O. A anatomia do fascismo. São Paulo, Paz e Terra, 2007. Capítulo 7: p.283-334

domingo, 11 de maio de 2008

"Modernidade e Holocausto" - Capítulo "Singularidade e normalidade do Holocausto" - Zygmunt Bauman - Fichamento 5

Bauman inicia o capítulo com uma pergunta pertinente do historiador Raul Hilberg: “Vocês não ficariam mais felizes se eu pudesse mostrar que todos os que perpetraram [o crime] eram loucos?”. Pois é exatamente isso que ele não pode mostrar. A verdade que ele de fato mostra não traz nenhum alívio, é improvável que deixe alguém feliz. Os criminosos foram pessoas educadas de sua época.
O autor trata da singularidade do Holocausto, singularidade essa através do uso da racionalidade organizativa. A normalidade e a singularidade do Holocausto é seu cunho burocrático, instrumental e administrativo. O que há de mais terrível no Holocausto não é o genocídio, não é a quantidade de pessoas que ele matou, e sim a forma com que essas pessoas foram eliminadas. O que prova como é ruim ser diferente e como é bom estar são e salvo atrás do escudo de uma civilização superior. Por tudo que conheciam e acreditavam o assassinato em massa para o qual ainda nem tinham nome era pura e simplesmente inimaginável. Porém, sabemos que o inimaginável deve ser imaginado.
Dentro de certos limites estabelecidos por questões de poder político e militar, o Estado moderno pode fazer o que bem entende àqueles sob seu controle. Não há limite ético-moral que o Estado não possa transcender para fazer o que quiser, porque não há poder ético-moral mais alto que o Estado. Em matéria de ética e moralidade, a situação do indivíduo no Estado moderno é em princípio rigorosamente equivalente à do prisioneiro em Auschwitz: ou age de acordo com os padrões dominantes de conduta impostos pelos que detém a autoridade ou se arrisca a todas as conseqüências que eles queiram infligir. Ter que optar pela conformidade ou arcar com as conseqüências da desobediência não significa necessariamente viver em Auschwitz, e os princípios pregados e praticados pela maioria dos Estados contemporâneos não bastam para transformar seus cidadãos em vítimas do Holocausto. O Holocausto não só evitou o choque com as normas e instituições sociais da modernidade, mas foram essas normas e instituições que o tornaram factível. Sem a civilização moderna e suas conquistas mais fundamentais, não teria havido Holocausto. Quando chegou a hora do assassinato em massa, as vítimas se viram sozinhas. Não apenas se haviam iludido com uma sociedade aparentemente pacífica e humana, legalista e ordeira – seu senso de segurança seria um fator poderosíssimo da sua ruína. Vivemos num tipo de sociedade que tornou possível o Holocausto e que não teve nada que pudesse evitá-lo.
O assassinato em massa não é uma invenção moderna. Diante disso, parece negar-se a singularidade do Holocausto. O ódio comunitário mortífero sempre esteve entre nós e provavelmente nunca deixará de existir; e que nesse ponto a única importância da modernidade foi que, ao contrário do que prometia e da expectativa generalizada, não aparou suavemente as arestas sabidamente ásperas da coexistência humana e, portanto não pôs um fim definitivo à desumanidade do homem para com o homem. O Holocausto foi tanto um produto como um fracasso da civilização moderna. Ele é um subproduto do impulso moderno em direção a um mundo totalmente planejado e controlado, uma vez que esse impulso deixe de ser controlado e corra à solta.
O assassínio em massa contemporâneo caracteriza-se por um lado, pela ausência quase absoluta de espontaneidade e, por outro, pelo predomínio de um projeto cuidadosamente calculado, racional. Mas, antes e acima de tudo, destaca-se pelo propósito. O Holocausto absorveu um enorme volume de meios de coerção. Usando-os a serviço de um único propósito, também estimulou sua posterior especialização e aperfeiçoamento técnico. Livrar-se do adversário não é um fim em si. É um meio para atingir determinado fim, uma necessidade que decorre do objetivo último, um passo que se deve dar caso se queira chegar um dia à meta final. O fim em si é a visão grandiosa de uma sociedade melhor e radicalmente diferente.
As vítimas de Hitler não foram mortas para a conquista e colonização do território que ocupavam. Muitas vezes foram mortas de uma maneira mecânica, enfadonha, sem o estímulo de emoções humanas – sequer o ódio. Foram mortas por não se adequarem, por uma ou outra razão, ao esquema de uma sociedade perfeita.
É único entre outros casos históricos de genocídio porque é moderno. E é único face à rotina da sociedade moderna porque traz à luz certos fatores ordinários da modernidade que normalmente são mantidos à parte.
Assim foi que na Alemanha de meio século atrás essa burocracia recebeu a tarefa de tornar o país livre de judeus. A burocracia que se incumbiu tão bem da tarefa de limpar a Alemanha tornava factíveis tarefas mais ambiciosas e quase natural a escolha delas. Por fim e talvez mais importante, o modo de ação burocrática deixou sua marca indelével do processo do Holocausto. A burocracia não gerou o medo da contaminação racial e a obsessão com a higiene racial. Para isso precisava de visionários, pois a burocracia começa de onde param os visionários. Mas a burocracia fez o Holocausto. E o fez à sua própria imagem. A burocracia contribuiu para a continuidade do Holocausto, não apenas por sua inerente capacidade e suas técnicas, mas também por sua imanente enfermidade e afecções. A burocracia é intrinsecamente capaz de ação genocida.
O genocídio ocorre como parte integrante do processo pelo qual é implantado o grandioso projeto. O projeto lhe dá a sua legitimação; a burocracia estatal, o seu veículo; e o imobilismo da sociedade, o “sinal verde”.



Bibliografia

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e holocausto. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998. Capítulo “Singularidade e normalidade do Holocausto” p.106 a 141.

domingo, 4 de maio de 2008

" A era dos extremos" - Capítulo 5 - Contra o inimigo comum - Eric Hobsbawn - Fichamento 4

Eric Hobsbawn no texto “Contra o inimigo comum” aborda basicamente o nacional-socialismo. No período da Segunda Guerra Mundial, a URSS se transforma no principal aliado dos europeus. Em janeiro de 1939 se irrompesse uma guerra entre a União Soviética e a Alemanha, 83% dos americanos foram a favor de uma vitória soviética, contra 17% de uma alemã. A Alemanha era uma ameaça tanto para os EUA quanto para a URSS, portanto esses dois países se aliaram contra esse inimigo comum, pois representava um perigo maior do que cada um ao outro. O que forjou a união contra a Alemanha foi o fato de que ela não se tratava apenas de um Estado-nação com razões para sentir-se descontente com sua situação, mas de um Estado cuja política e ambições eram determinadas por sua ideologia, ou seja, de que era uma potência fascista.
A Segunda Guerra Mundial tornou-se uma guerra internacional, porque em essência suscitou as mesmas questões na maioria dos países ocidentais. Tratava-se de uma guerra civil, porque as linhas que separavam as forças pró e antifascistas cortavam cada sociedade. O que uniu todas essas divisões civis nacionais numa única guerra global, internacional e civil foi o surgimento da Alemanha de Hitler, ou mais precisamente entre 1931 e 1941, a marcha para a conquista e a guerra da aliança de Estados – Alemanha, Itália e Japão, da qual a Alemanha se tornou o pilar central. Ela era ao mesmo tempo mais implacável e comprometida com a destruição dos valores e instituições da “civilização ocidental” da Era das Revoluções, e mais capaz de levar a efeito seu bárbaro projeto.
A mobilização de todo o potencial de apoio contra o fascismo, isto é, contra o campo alemão, portanto, foi um triplo apelo pela aliança entre todas as forças políticas que tinham um interesse em comum em resistir ao avanço do Eixo: por uma política de real resistência e por governos dispostos a executar essa política. Sob certos aspectos, era provável que o apelo à unidade antifascista conquistasse a resposta mais imediata, pois o fascismo tratava publicamente todos os liberais, socialistas e comunistas ou qualquer tipo de regime democrático e soviético, como inimigos a serem destruídos. Eles tinham de unir-se, caso não quisessem ser eliminados um por um. O antifascismo, portanto, organizou os adversários tradicionais da direita, mas não inflou os seus números; mobilizou mais facilmente as minorias que as maiorias. Entre essas minorias, os intelectuais e os interessados nas artes estavam particularmente abertos a seu apelo, porque a arrogante e agressiva hostilidade do nacional-socialismo aos valores da civilização como até então concebidos, ficou imediatamente óbvia nos campos que lhes diziam respeito. O racismo nazista logo provocou o êxodo em massa de intelectuais judeus e esquerdistas, que se espalharam pelo que restava de um mundo tolerante. Os intelectuais ocidentais foram, portanto, a primeira camada social mobilizada em massa contra o fascismo na década de 1930.
Expansão e agressão faziam parte do sistema nacional-socialista, e, a menos que se aceitasse de antemão a dominação alemã, ou seja, se preferisse não resistir ao avanço nazista, a guerra seria inevitável, provavelmente mais cedo do que mais tarde. Este é o papel central da ideologia na formação da política da década de 1930: se determinou os objetivos da Alemanha nazista, excluiu a realpolitik ( conjunto de normas que passam a reger o Estado nacional) como alternativa para os adversários. O fato de o fascismo significar guerra era um motivo convincente para combatê-lo.
Quando a Alemanha invadiu a URSS e trouxe os EUA para a guerra – em suma, quando a luta contra o fascismo se transformou por fim numa guerra global – a guerra tornou-se tão política quanto militar. Internacionalmente, transformou-se numa aliança entre o capitalismo dos EUA e o comunismo da União Soviética. Este aliado torna-se fundamental para a derrota da Alemanha. O breve sonho de Stalin, de uma parceria americano-soviética no pós-guerra não fortaleceu de fato a aliança global de capitalismo liberal e comunismo contra o fascismo. Em vez disso, demonstrou a sua força e amplitude. É evidente que se tratava de uma aliança contra uma ameaça militar, e que nunca teria existido sem a série de agressões da Alemanha nazista, culminando com a invasão da URSS e a declaração de guerra aos EUA. A verdadeira base da vitória soviética foi o patriotismo da nacionalidade majoritária da URSS, os grandes russos, sempre a elite do Exército Vermelho, a que o regime soviético apelou em seus momentos de crise. Na verdade, a Segunda Guerra Mundial se tornou oficialmente conhecida na URSS como “ a Grande Guerra Patriótica”.
Em palavras de Eric Hobsbawn: o fascismo dissolveu-se como um torrão de terra lançado num rio, e praticamente desapareceu do cenário político de vez a não ser na Itália, onde um modesto movimento neofascista homenageando Mussolini tem uma presença permanente na política italiana. O fascismo desapareceu com a crise mundial que lhe permitira surgir. Jamais fora, mesmo em teoria, um programa ou projeto político universal. Quanto ao nacional-socialismo, nada tinha a oferecer à Alemanha pós 1945, a não ser lembranças amargas.
Os governos capitalistas estavam convencidos de que só o intervencionismo econômico podia impedir um retorno às catástrofes econômicas do entreguerras e evitar os perigos políticos de pessoas radicalizadas a ponto de preferirem o comunismo, como antes tinham preferido Hitler.
Hobsbawn encerra o seu texto com a seguinte conclusão: assim que não houve mais um fascismo para uni-los contra si, capitalismo e comunismo mais uma vez se prepararam para enfrentar um ao outro como inimigos mortais. O que vai gerar uma nova guerra, a Guerra Fria, que só teve fim em 1989.



Bibliografia

HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos. São Paulo, Companhia das Letras, 1995. Capítulo 5 “Contra o inimigo comum”

domingo, 6 de abril de 2008

"A anatomia do Fascismo" - Capítulo 8: p.335-361 - Robert Paxton - Fichamento 3

Paxton propõe uma questão no início do capítulo – o que é fascismo? –. Ele relembra os cinco estágios do fascismo mostrados no primeiro capítulo de seu livro. Alguns autores crêem que os movimentos iniciais constituem-se no fascismo puro, enquanto que regimes fascistas são corrupções, entretanto tiveram mais impacto que os movimentos por terem em mãos o poder de guerra e de morte. Para Paxton, o fascismo no poder consiste num composto, um amálgama poderoso dos ingredientes distintos, mas combináveis do conservadorismo, do nacional-socialismo e da direita radical, unidos por inimigos em comum e pela mesma paixão pela regeneração, energização e purificação da nação, qualquer que seja o preço a ser pago em termos das instituições livres e do estado de direito.
O autor analisa também o caráter obsessivo dos fascistas como um objeto de estudo da psicanálise, objeto esse (Hitler e Mussolini) encontra-se inacessível. Os psicanalistas partem do pressuposto que se alguns fascistas eram de fato loucos, como seu público os adorava e de como eles conseguem exercer suas funções eficazmente por tanto tempo.
A Alemanha em inícios da década de 30 encontrava-se profundamente polarizada. Os clubes alemães, desde o canto coral até os seguros funerários, estavam segregados em redes separadas de socialistas e não-socialistas, o que facilitou a exclusão dos socialistas e a encampação dos demais pelos nazistas.
Há uma corrente de pensamento que vê o fascismo como uma ditadura desenvolvimentista, estabelecida com o propósito de acelerar o crescimento industrial pela poupança forçada e pela arregimentação da força de trabalho, porém o que Hitler queria era submeter a economia para fazê-la servir a fins políticos.
Paxton faz uma comparação entre o regime nazista de Hitler e o regime de Stalin. Em ambos os regimes, a lei estava subordinada aos imperativos mais altos da raça ou da classe. Concentrar o foco nas técnicas de controle, contudo, pode fazer com que diferenças importantes sejam obscurecidas. O regime de Stalin diferia do de Hitler em termos de dinâmica social e também de seus objetivos. Stalin governava uma sociedade civil que havia sido radicalmente simplificada pela Revolução Bolchevique; já Hitler chegou ao poder contando com o assentimento e até mesmo com o auxílio das elites tradicionais.
Ambos os regimes também se diferem em termos de seus objetivos últimos declarados. Para o regime hitlerista a supremacia da raça mestra, para o stalinista a igualdade universal. Stalin matava de maneira totalmente arbitrária os “inimigos de classe”, de modo que atingia basicamente os homens adultos da população. Já Hitler matava os “inimigos raciais”, uma condição que condena até mesmo recém-nascidos. Ele queria exterminar povos inteiros, incluindo suas sepulturas e seus artefatos culturais.
O fascismo também é comparado por Paxton a uma religião: no nível de uma analogia ampla, ele é útil por apontar a maneira pela qual o fascismo, de maneira semelhante à religião, mobilizava os fiéis em torno de ritos e palavras sagradas, estimulava-os até o ponto do fervor abnegado e pregava uma verdade que não admitia dissidência.
O fascismo por ter como uma de suas características o autoritarismo, algumas vezes pode ser confundido como uma ditadura militar. Os autoritários preferem deixar suas populações desmobilizadas e passivas, já os fascistas querem engajar e excitar o público. Os autoritários querem um Estado forte, mas limitado. Hesitam em intervir na economia, coisas que os fascistas sempre estão prontos a fazer, ou em criar programas de bem-estar social. Não devemos utilizar o termo fascismo para as ditaduras pré-democráticas. Por mais cruéis que elas sejam, falta-lhes a manipulação do entusiasmo das massas e a energia demoníaca do fascismo, que vão lado a lado com a missão de “abandonar as instituições livres” em nome da unidade, da pureza e da força nacionais. Embora todos os fascismos sejam militaristas, nem todas as ditaduras militares são fascistas. A maioria das ditaduras militares atua como simples tirania, sem ousar desencadear a excitação popular do fascismo. As ditaduras militares são muito mais comuns que o fascismo, pois não possuem um vínculo obrigatório com uma democracia fracassada, e são tão antigas quanto os guerreiros.
Por fim, Paxton encerra o capítulo dando uma definição bem clara sobre o que é o fascismo, respondendo sua questão inicial. O fascismo tem que ser definido como uma forma de comportamento político marcada por uma preocupação obsessiva com a decadência e a humilhação da comunidade, vista como vítima, e por cultos compensatórios da unidade, da energia e da pureza, nas quais um partido de base popular formado por militantes nacionalistas engajados, operando em cooperação desconfortável, mas eficaz com as elites tradicionais, repudia as liberdades democráticas e passa a perseguir objetivos de limpeza étnica e expansão externa por meio de uma violência redentora e sem estar submetido a restrições éticas ou legais de qualquer natureza.


Bibliografia:

PAXTON, Robert O. “A anatomia do fascismo”. São Paulo. Paz e Terra, 2007. Capítulo 8: p.335-361

sábado, 29 de março de 2008

"A anatomia do fascismo" - Capítulo 1: p.13-49 - Fichamento 2 -

No início do texto “A anatomia do fascismo”, Paxton declara que o fascismo foi a grande inovação do século XX e também a origem da boa parte de seus sofrimentos. Os fascistas conseguiriam ganhar espaço combinando uma ditadura antiesquerdista cercada de entusiasmo popular.
A palavra fascismo é originada da palavra fascio italiana, cujo significado é “um feixe” ou “maço”, porém a palavra remete também ao fasces latino, ou seja, um machado cercado por um feixe de varas que era levado diante dos magistrados, nas procissões públicas romanas, para significar a autoridade e a unidade do Estado. O termo fascismo foi adotado primeiramente na por Mussolini na Itália pós-primeira Guerra Mundial para descrever o estado de ânimo do pequeno bando de ex-soldados nacionalistas e revolucionários sindicalistas pró-guerra.
O fascismo nasceu em Milão, num episódio em Março de 1919, no qual se reuniram veteranos de guerra, sindicalistas que haviam apoiado a guerra e intelectuais futuristas, para declarar guerra ao socialismo, em oposição ao nacionalismo. Movimento esse apelidado por Mussolini de “fraternidades de combate”. Esse movimento atentava também para atos violentos, de antiintelectualismo, de rejeição a soluções de compromisso e de desprezo pela sociedade estabelecida.
O fascismo irrompido por Mussolini era contra não só ao socialismo como também contra a legalidade burguesa, em nome de um pretenso bem nacional maior. Trata-se também de um movimento contra a esquerda e contra o individualismo liberal. Outros movimentos semelhantes estavam se alastrando pela Europa, mostrando uma mistura de nacionalismo, anticapitalismo, voluntarismo e violência ativa contra seus inimigos, tanto burgueses quanto socialistas, como por exemplo, o nazismo. Em palavras de Roger Griffin: “O fascismo é a ditadura explícita e terrorista dos elementos mais reacionários, mais chauvinistas e mais imperialistas do capital financeiro”. Além do caráter nacionalista, anticapitalista, antiliberalista, pode-se destacar o caráter anti-semitista, porém só será relevante na Alemanha fascista. O que os nazistas pretendiam fazer na verdade, era uma limpeza étnica, ou seja, eliminar os defeituosos e impuros, buscavam a estética do corpo perfeito e uma racionalidade científica que rejeitava os critérios morais. O que o fascismo criticava no capitalismo não era a sua exploração, mas seu materialismo, sua indiferença para com a nação e sua incapacidade de incitar as almas.
Para alguns, o antimodernismo também era uma característica do fascismo, porém pode-se encontrar uma contradição nesse discurso, na medida em que os primeiros movimentos fascistas exploraram os protestos das vítimas da industrialização rápida e da globalização – os perdedores da modernização – usando, sem dúvida alguma, os estilos e as técnicas de propagandas mais modernas, entretanto, mais tarde, os regimes fascistas optaram pela concentração e pela produtividade industrial, pelas vias expressas e pelos armamentos. Os regimes buscavam uma modernidade alternativa: uma sociedade tecnicamente avançada, na qual as tensões e cisões da modernidade houvessem sido sufocadas pelos poderes fascistas de integração de controle.
Paxton propõe que os movimentos fascistas, jamais teriam crescido sem a ajuda das pessoas comuns, mesmo das pessoas convencionalmente boas, das quais muitas ficaram indignadas com as brutalidades cometidas.
O fascista, segundo os próprios líderes, é aquele que abraça a ideologia fascista – uma ideologia sendo mais que simples idéias, mas todo um sistema de pensamento subordinado a um projeto de transformação de mundo. O líderes tentavam apelar às emoções, pelo uso de rituais, de cerimônias cuidadosamente encenadas e de retórica intensamente carregada.
Paxton conclui o seu texto propondo examinar o fascismo em cinco estágios:
· A criação dos movimentos
· Seu enraizamento no poder político
· A tomada do poder
· O exercício do poder
· O longo período de tempo durante o qual o regime faz a opção pela radicalização ou pela entropia.

Bibliografia:

GRIFFIN, Roger, ed., Fascism. Oxford: Oxford University Press, 1995, p.262.
PAXTON, Robert O. A anatomia do fascismo. São Paulo, Paz e Terra, 2007. Capítulo1: p.13-49

sábado, 22 de março de 2008

"Os Fascismos" - Francisco Carlos Teixeira da Silva - Fichamento 1 -

Francisco Carlos Teixeira da Silva procura mostrar em seu texto “Os fascismos” o fenômeno do fascismo com uma conotação política mais ampla. O fascismo é um fenômeno que está ligado às contradições da modernidade, que não está restrito ao período entreguerras.
Denomina-se de fascismo o conjunto de movimentos e regimes de extrema direita que dominou um grande número de países europeus, tais quais Itália (chamado de fascismo padrão), Alemanha (chamado de fascismo radical), Hungria, Espanha, França de Vichy, desde o início dos anos 20 até 1945, porém o fascismo para muitos, ficou circunscrito ao nazismo e associado exclusivamente à história da Alemanha. O nazismo é um fenômeno do projeto fascista.
De acordo com o historiador Wolfgang Shieder poder-se-ia afirmar “que se reconhece como fascistas movimentos nacionalistas extremistas de estrutura hierárquica e autoritária e de ideologia antiliberal, antidemocrática e anti-socialista que fundaram ou intentaram fundar, após a Primeira Guerra Mundial regimes estatais autoritários. Neste último sentido, o fascismo constitui um dos fenômenos centrais e mais característicos do entreguerra” (Schieder, 1972, p. 97). Portanto, fascismo é um fenômeno com características peculiares, dentre elas o autoritarismo, o antiliberalismo, o antidemocratismo, o anti-socialismo e o nacionalismo, além de ser um regime de manipulação de massas. Os regimes são obrigados a adotar meios violentos, amparados em uma polícia secreta eficaz e numa propaganda ideológica maciça. As grandes massas estariam inseridas na participação mecânica ou na militância fanática.
Todos os fascismos são marcados por uma busca de raízes nacionais ou raciais que explicariam a autenticidade de seu próprio movimento. Todos os líderes fascistas em suma propunham um mesmo programa, partilhavam a mesma concepção de mundo, criavam mecanismos similares de manipulação de massas, votavam o mesmo ódio e desprezo pelo socialismo e pelo liberalismo e perseguiam as minorias tais como judeus, homossexuais, comunistas ou deficientes físicos.
O fascismo acusa as formas liberais de organização e de repressão, em especial o parlamentarismo liberal, de originarem a crise contemporânea. As posturas antiliberais tomam duas dimensões: de um lado a idéia de falência do sistema liberal e, de outro, o caráter geneticamente desagregador do liberalismo. O fascismo ofereceria uma variada gama de organismos sociais, onde o Estado deveria ser visto de forma harmoniosa, despido de contradições no seu próprio interior, bem diferentemente do Estado liberal, dilacerado por querelas de grupos. O Estado apresenta-se como fator de coesão nacional, capaz de reerguer a nação e restaurar a identidade nacional dilacerada pelas lutas ensejadas pelo regime liberal.
O Estado fascista busca seu poder político na unidade do povo. A única maneira de alcançar essa unidade entre povo e Estado, seria o Estado autoritário. Esse Estado não se caracteriza por uma autocracia e sim por uma policracia, com fontes autônomas de poder, com objetivos muitas vezes conflitantes, reunidos em torno de uma doutrina e de uma personalidade autoritária e carismática, o líder nacional.
O caráter propagandista do regime autoritário (alemão) e a busca pela identidade nacional ficam evidentes na passagem a seguir: “só pode ser cidadão quem for membro da comunidade popular. Só pode ser membro da comunidade popular quem é de sangue alemão [...]” (Os 25 pontos do Partido Nacional-Socialista Alemão).
O Estado possui um caráter intervencionista, pois é ele que organiza, normatiza e dirige a sociedade, com total desprezo por qualquer esfera exclusiva do privado. Neste campo, a principal tarefa do fascismo é fazer cessar as causas da desagregação social e, assim, transcender ao estranhamento dos indivíduos e dotá-los de uma identidade autêntica. A interferência permanente do Estado na vida privada dos cidadãos era parte integrante da mentalidade fascista, e um espaço vazio para a livre organização, mesmo que fosse um time de futebol, não era bem visto.
No plano econômico, o fascismo propunha um Estado que se apresentaria como a corporação do trabalho, supraclassista e acima dos interesses privados e de suas representações partidárias. Tendia a recuperar o primado político, submetendo o econômico a estreito dirigismo. A idéia básica era centrada na relação direta, de colaboração entre capital e trabalho, conforme o modelo corporativista. A política econômica pretendida pelos fascistas denomina-se autarquia.
Assim o dirigismo estatal e a organização corporativa, além de reconstruírem uma identidade perdida ao longo da instauração da sociedade industrial, liberal e de massas surgiam como poderoso instrumento anticrise.
O fascismo ficou marcado pelo anti-semitismo, pelo ódio aos judeus e a outros grupos
minoritários. Foi na Alemanha que o ódio aos judeus tomou aspecto de política de Estado, objetivo nacional. O massacre aos judeus nos é claramente conhecido como a barbárie do Holocausto. O fascismo identifica em si mesmo valores absolutos e qualquer diferença tornar-se-á objeto de eliminação violenta. O Holocausto deve ser filiado a uma concepção de mundo que nega qualquer possibilidade de um contratipo ao seu tipo padrão, e não à história específica de um povo.
A característica básica dos fascistas é a frieza, o distanciamento do outro, enquanto pessoa, em favor da identificação com um coletivo anônimo; já a minoria perseguida (judeus, homossexuais e ciganos) é caracterizada pela solidariedade, pela possibilidade de enfrentar desafios em nome do amor.
Ainda hoje, o fascismo é cultuado por alguns grupos, os neonazistas, espalhados pela Europa. Na Alemanha, a desnazificação é marcantemente incompleta e permite uma ponte visível entre o fascismo histórico e o neofascismo.

Bibliografia

SCHIEDER, Wolfgang. 1972. “Fascismo”. In História 3. Madri, Rioduero.
SILVA, Francisco C.T. da, “Os fascismos” In.: REIS FILHO, Daniel Aarão. Século XX. Vol. II: o tempo das crises. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000.